Sessão Contínua

Encontros ACARTE 98

Exposição de Valente Alves (1953) e de Noé Sendas (1972) realizada no âmbito dos Encontros ACARTE de 1998. A curadoria ficou a cargo de João Pinharanda e os artistas apresentaram duas instalações vídeo: Hotel Europa, de Valente Alves, e Impulsos e Hesitações, de Noé Sendas.
Exhibition of work by Valente Alves (1953) and Noé Sendas (1972) held for the Encontros ACARTE events in 1998. Curated by João Pinharanda, the show featured two video presentations: Hotel Europa, by Valente Alves, and Impulses and Hesitations, by Noé Sendas.

Exposição dedicada aos artistas portugueses Manuel Valente Alves (1953) e Noé Sendas (1972) e organizada pelo Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão (CAMJAP). Foi Integrada nos Encontros ACARTE de 1998. Jorge Molder e Rui Sanches, então diretor e diretor-adjunto do CAMJAP, respetivamente, convidaram o crítico de arte João Pinharanda para assumir a curadoria da exposição.

«Sessão Contínua» foi preparada na sequência da mostra coletiva «Observatório», igualmente comissariada por Pinharanda e organizada em paralelo com a feira internacional de arte ARCO'98, cuja realização teve lugar em Madrid, em fevereiro de 1998. No projeto que desenvolveu para a exposição no CAMJAP, João Pinharanda recuperava as obras dos artistas Valente Alves e Noé Sendas exibidas em «Observatório». O conceito da exposição pretendeu evocar as «sessões contínuas» dos cinemas antigos, em que se podia entrar em qualquer altura do filme e ficar por quanto tempo se quisesse.

Nesse sentido, os artistas apresentaram trabalhos em vídeo: Hotel Europa, de Valente Alves, e Impulsos e Hesitações, de Noé Sendas. Segundo Jorge Molder e Rui Sanches, as obras consistiam em «dois exemplos do melhor que entre nós se faz no campo do vídeo» (Sessão Contínua, 1998, s.p.).

Manuel Valente Alves, médico e artista plástico, iniciou a sua atividade artística na década de 1980 através da pintura. Nas décadas seguintes, trabalhou com outros suportes, como a fotografia, o vídeo e o desenho. Nos anos 90, recorre a esses suportes para criar instalações que questionam a imagem e os seus limites.

O interesse de Noé Sendas pela imagem, impressa ou em movimento, leva-o a eleger a fotografia e o vídeo como meios fundamentais para a construção de documentação. Segundo Helena Barranha, a inquietação, o desconforto e a estranheza constituem marcas transversais na sua obra (Barranha, Noé Sendas, 2013).

Ao recuperar a dinâmica dos cinemas antigos, a exposição no CAMJAP foi pensada para que o público pudesse, em qualquer momento do dia (ou do filme), entrar na galeria e começar a ver um dos vídeos em projeção. Na introdução que escreveram para o catálogo, Molder e Sanches referem ainda que esta era «uma das peculiares características destes "objectos", que estão expostos mas que fazem parte daquilo que antigamente se chamava as "artes do tempo"» (Sessão Contínua, 1998, s.p.).

Como determinou Pinharanda, as peças Hotel Europa e Impulsos e Hesitações apresentaram-se num espaço de montagem arquitetonicamente neutro. E, apesar de diferentes, ambos os trabalhos mantinham uma forte relação com a duração e com o tempo decorrentes da experiência que o espectador lhes dedicava.

Como forma de acentuar a sensação de circularidade – que se obtinha no visionamento dos filmes das sessões contínuas nas velhas salas de cinema – os vídeos dos artistas foram disponibilizados em loop. Dessa forma, como descreve Pinharanda, a união das peças era conseguida através de «uma série de recursos técnicos comuns: a projecção vídeo e áudio; e, muito significativamente, o conceito de imagem interminável fornecido pela solução de imagem em loop […] na qual não se percebe claramente onde se situa aquilo a que estamos habituados a chamar princípio, meio e fim» (Ibid.). A união dos trabalhos era igualmente alcançada na medida em que estes se constituíam como «projectos de intercomunicação» e de «análise das modalidades de comunicação de um saber», a que acrescia o facto de estarem «possuídos por um comum sentimento de perda e por um comum desejo de recuperação de memória(s)» (Ibid.). Como é referido no catálogo, a exposição evidenciava o questionamento da(s) memória(s), enquanto modo de construir uma realidade (Ibid.).

A peça de Noé Sendas consistia num vídeo a preto-e-branco em loop, projetado num ecrã de secção quebrada, como se fosse um fragmento de teto. A sequência mostra uma rapariga que cai. A banda sonora do filme foi realizada através de uma colagem de monólogos de diversos filmes de Godard (embora a imagem não pertença a nenhum deles), que acabam por interagir em diálogos artificiais. Nem o início, nem o fim da queda são mostrados. A queda é, por isso, contínua e interminável.

O dispositivo arquitetónico criado para a peça de Noé Sendas tornava a obra um quase-objeto e, ao mesmo tempo, recuperava o processo da sua própria conceção e realização. Segundo o curador, «Noé Sendas encontrou na sala do CAM, a realidade neutra do Museu. E, ao conceber uma sala (ou fragmento de sala) de total neutralidade arquitectónica como o lugar ideal para a projeção de "Impulsos e Hesitações", o artista passou a remeter em definitivo a sua obra para a realidade genérica de todas as salas de cinema» (Ibid.).

O título da obra deixa-nos pressupor o seu conteúdo: «A peça de Noé Sendas chama-nos à natureza ambígua da realidade oferecendo-nos e negando-nos a visão de uma cena em que se joga a vida e a morte.» (Ibid.) Segundo o curador, esta é a leitura visual de «uma queda para a morte da qual não se vê nem o momento do salto nem o da chegada – apenas um interminável tempo intermédio durante o qual se sucedem monólogos citados e montados a partir de filmes de Godard» (Ibid.).

Hotel Europa, de Valente Alves, consistia numa longa sequência filmada do interior de um comboio, durante uma viagem do artista entre Praga e Viena. A banda sonora da peça acrescentava o clima de decadência pretendido para as imagens. Segundo o curador, estas atuavam como elementos de uma investigação e uma construção reflexiva sobre a memória coletiva da Europa. A obra é por isso tomada como registo e transmissão de uma memória e de uma reflexão: «Não memória de uma viagem pessoal, mas de uma civilização em risco de terminar a sua viagem, de perder a sua identidade, a capacidade de a afirmar.» (Ibid.)

As imagens eram manipuladas pelo artista na sua pós-produção, e, de acordo com Luísa Soares de Oliveira, na crítica que dedicou à exposição, a obra apresentava-se segundo uma «falsa qualidade sistemática e científica, como um falso registo antropológico» (Oliveira, Público, 18 set. 1998).

Nas palavras do curador, essa realidade discursiva era compreensível em dois momentos diferentes da obra: «Por um lado, temos as imagens – digamos que elas são objectivas, estavam lá quando o artista as registou. Por outro, temos o som. Ele resulta de uma investigação posterior.» (Sessão Contínua, 1998, s.p.) Pinharanda continua: «De facto, o artista já conhecia os compositores que utilizou; e as imagens que viu da janela do seu comboio e fixou em vídeo foram, desde o início, pensadas/vistas ao som dessa memória.» (Ibid.) A viagem registada não termina, porque as imagens se encadeiam sem fim, «mas a extensão temporal da obra é suficientemente longa, a sucessão de diferentes signos é suficientemente vasta para conduzir a obra a um destino narrativo» (Ibid.)

Hotel Europa é um trabalho de melancolia. Como conclui Pinharanda, «o facto de se construir a partir de uma referência centro-europeia […] dá mais sentido a essa dimensão [melancólica]. Há uma euforia que a vertigem da viagem (não propriamente a velocidade das imagens mas a sua ininterrupta sucessão) ajuda a consolidar em cada um de nós e que a sonoridade intensa da peça confirma» (Ibid.).

A respeito da sua obra, o artista escreveu: «À velocidade (melancólica) das imagens das paisagens contempladas através da janela do comboio contrapõe-se a progressiva lentidão (melancólica) da música.» (Ibid.)

Por fim, ao evocar o hotel onde o artista se instalara durante a estada em Praga, o título Hotel Europa recorda também a sua série fotográfica Hotéis, apresentada pela primeira vez numa exposição da Fundação Calouste Gulbenkian, em 1992.

O catálogo da exposição, editado pelo CAMJAP, inclui uma breve apresentação da mostra assinada por Jorge Molder e Rui Sanches; o texto de João Pinharanda sobre o percurso criativo dos artistas; o texto de Manuel Valente Alves e o texto de Noé Sendas, sobre as respetivas obras apresentadas. Estão ainda reproduzidos vários frames dos vídeos, assim como os currículos dos artistas.

Joana Brito, 2019


Ficha Técnica


Artistas / Participantes


Eventos Paralelos

Programa cultural

Encontros ACARTE 98

1998
Fundação Calouste Gulbenkian
Lisboa, Portugal

Publicações


Material Gráfico


Periódicos


Páginas Web


Fontes Arquivísticas

Arquivos Gulbenkian (Centro de Arte Moderna), Lisboa / CAM 00472

Pasta com documentação referente à produção da exposição. Contém convite, correspondência interna e recortes de imprensa. 1998 – 1998

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 109467

Coleção fotográfica, cor: objetos (FCG-CAMJAP, Lisboa) 1998


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