Noé Sendas

Bruxelas, Bélgica, 1972

Noé Sendas estudou no Atelier Livre da Escola António Arroio e no Ar.CO, em Lisboa (1992), prosseguindo depois em contexto internacional, no Royal College of Arts, em Londres (1993), e no Art Institute of Chicago (1997).

Para além da componente académica, a sua formação consolidou-se através de uma continuada pesquisa sobre os processos criativos de outros autores, pontuada por residências artísticas em diferentes países, sendo bolseiro de instituições como a Fundação Calouste Gulbenkian, o Instituto Camões ou o Museu Peggy Guggenheim. Esses períodos de investigação vieram a revelar-se estruturantes, ao introduzirem temas específicos que motivaram algumas séries emblemáticas, como German Diaries (2009-2012), desenvolvida a partir da obra homónima de Samuel Beckett.

Nas suas primeiras obras, ainda em finais dos anos de 1990 (City Thoughts, 1996-97; Ophelia, 1997-2003) é já patente um sistema consequente de referências, em que a releitura de autores incontornáveis na história da arte ocidental se associa a recorrentes alusões à literatura (Shakespeare, Joyce) e ao cinema (Fassbinder, Fellini, Hitchcock, Godard).

O seu duplo interesse pela imagem impressa ou em movimento leva-o a eleger a fotografia e o vídeo como meios fundamentais para a construção e documentação de um percurso que convoca também o desenho, a colagem, a escultura e a instalação. Através da manipulação da imagem, Noé Sendas questiona as noções de identidade e de autoria, atribuindo outros sentidos a registos preexistentes. Assim acontece em Pursuit, Left Running (2000), em que o artista altera o ritmo original e utiliza o loop para prolongar indefinidamente um excerto do filme Drunken Angel, de Akira Kurosawa.

Ao recorrer à fotografia enquanto campo experimental das metamorfoses da imagem, o artista recupera alguns processos surrealistas (colagem, sobreposição), atualizando-os com recurso a tecnologias digitais que permitem também o esvaziamento e a reconstrução de determinados aspectos. Por outro lado, controla o método de impressão como se estivesse a realizar fotografias de época, suscitando assim a dúvida acerca do tempo e do autor, uma estratégia particularmente visível na série Crystal Girls (desde 2009).

A partir da transformação de imagens recolhidas e seriadas, Noé Sendas cria galerias de retratos ambíguos, passíveis de serem entendidos como reproduções de obras expostas em museus, como auto-retratos do artista ou como reflexos do próprio observador. Eye Cast (2004) expressa de forma eloquente esse jogo de espelhamento, ao mesmo tempo literal e metafórico, em que as imagens reunidas pelo artista se cruzam com a projecção do observador. O espelho, que surge desde obras iniciais como Numb Mirror (1996) ou Lady Machbeth (2003), simboliza a permanente pesquisa sobre as declinações da imagem e a fenomenologia do reconhecimento, em que se inscreve também a sugestão do duplo, prolongamento do autor perante o espetador.

A inquietação, o desconforto e a estranheza constituem marcas transversais na sua obra, independentemente dos meios utilizados. Na escultura, figuras hiper-realistas replicam o corpo do artista, em encenações de manifesta filiação dramatúrgica. Figuras que evocam desencontros e histórias improváveis de personagens à procura de um autor, num tempo suspenso entre ironia, terror e abandono. Concebido na sequência do vídeo Wanderer (1997-99), The Rest is Silence II (2003) expressa o desejo de criar narradores em situações desconcertantes, citando o lado trágico das últimas palavras de Hamlet, bem como os longos silêncios dos encontros entre James Joyce e Samuel Beckett.

A ideia de duplo ou de alter-ego adquire um novo sentido no momento em que o artista assume também os papéis de colecionador e de galerista (The Collector, 2007), desmontando os fenómenos de influência, rutura e continuidade entre autores. Em limite, Noé Sendas estende a sua investigação sobre o processo criativo ao seu próprio trabalho, estudando-o como se de outro autor de tratasse (Processo: Quem é Noé Sendas?, 2010). Evidência da dimensão auto-referencial da sua obra ou, paradoxalmente, do distanciamento literário que consegue estabelecer em relação a si mesmo, este método confirma sobretudo o seu fascínio pelo território impreciso e intermédio entre o eu e o outro, de que fala a poesia de Mário de Sá-Carneiro.

A singularidade de Noé Sendas, no panorama da arte portuguesa das últimas décadas, decorre em grande medida do modo como conseguiu traçar um caminho coerente, com um sólido suporte conceptual e um ritmo próprio, alheio às flutuações superficiais da actualidade. Nas suas obras mais recentes é perceptível uma crescente valorização da noção de sistema, em detrimento da ideia de objeto. Um sistema que ultrapassa a esfera da instalação quando, para além de propor relações espaciais entre objectos, procura descrever a génese da obra, os seus antecedentes e as suas implicações contextuais. Obra, exposição e montagem tendem a constituir um conceito indivisível, em que cada peça requer e desenha a museografia do conjunto, segundo um processo que o artista controla até ao mais ínfimo detalhe.

Noé Sendas vive e trabalha atualmente entre Madrid e Berlim, cidade onde, em 2005, fundou, com outros cinco artistas, o artist-run-space Invaliden1.

 

Helena Barranha

Abril de 2013

Atualização em 16 abril 2023

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