Dois manequins vestidos, simulando seres humanos reais à escala do próprio artista, são instalados num espaço escuro.
Estão sentados em cadeiras de madeira, simetricamente, de perna cruzada, ombros encolhidos e de cabeça caída. Os torsos quase se juntam nas costas, mas separam-se num movimento que dobra as figuras para a frente, como se os dois corpos se mantivessem ligados, mas as mentes tentassem adquirir independência.
A simetria e o movimento são acentuados por um espelho que se encontra entre as duas figuras, demarcando as costas das cadeiras. Dessa forma, quando olhamos para cada uma das figuras de frente, o reflexo que vemos no espelho poderia ser a figura que sabemos estar do outro lado…
A roupa é banal e podíamos vê-la como indumentária de qualquer homem citadino: calças escuras de corte direito, sapatos de pele, casacos de fato idênticos a tantos outros, peças comuns a todo o guarda-roupa masculino. Algo diferencia os dois manequins: cabelo escuro, comprido e ocultando o rosto, num dos casos; um pano branco por cima da cabeça, no outro. As caras ficam ocultas, o que acrescenta mistério ao ambiente já obscuro.
A disposição dos manequins suscita estranheza no público, eventualmente medo – sentimentos motivados pelo efeito de hiper-realismo a que alude Miguel Amado em Densidade Relativa (CAM, 2005, p. 259). O mutismo que envolve estas figuras, a impossibilidade de comunicar que elas representam, o seu olhar desviado ou tapado são factores que adensam a aura de mistério que as rodeia. A sua presença é real naquele lugar; o resto é silêncio.
AG Novembro de 2011