«Os porcos que ali [Issenheim] eram criados pelos frades de Santo Antão eram marcados pela cruz – o Tau – para que ninguém os tocasse, que era disso que viviam estes, dedicados a aliviar os males alheios, do corpo e do espírito. Isso impressionou-o deveras e daí veio essa série.

O Tau era a cruz, mas era também, mais humildemente, a marca com que se ferravam os porcos. Memória de um tempo ancestral – o tempo dos retábulos – em que tudo, animais e gentes, conviviam numa comunhão de humildes. Admirava ele ainda a ideia de que aqueles que escutavam as almas fossem também os que cuidavam dos corpos.

[…]

Por outro lado a simples presença estruturante, construtiva, do Tau, com seu duplo alinhamento horizontal e vertical, de terra e de céu, permitia-lhe equilibrar os quadros, deixando aberta a porta para mais profunda exploração do espaço pictórico.

Por isso esta última série de trabalhos parece animar-se de tão extraordinária capacidade de se exprimir abstractamente. A pintura parece viver só da sua mesma matéria, como se suspensa no interior de um tempo próprio, único. Liberta, enfim, de qualquer socorro narrativo.»

(Bernardo Pinto de Almeida in O Trabalho das nossas Mãos, 1999)