«Joseph Bernard, 1866-1931» terá sido a primeira individual no estrangeiro deste singular protagonista da arte francesa do final do século XIX e início do século XX. A exposição decorreu em dois polos simultâneos: um núcleo retrospetivo, acolhido na Galeria de Exposições Temporárias da Sede da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG); e um outro, apresentado no Museu-Biblioteca Condes de Castro de Guimarães (MBCCG) da Câmara Municipal de Cascais, especificamente em torno do bronze La Femme à l'Enfant (c. 1912-c. 1926), à guarda desta instituição.

Foi o MBCCG que manteve as primeiras conversações com a Fondation de Coubertin (Saint-Rémy-lès-Chevreuse, França) para a realização desta mostra de Bernard em Portugal. Enquanto depositária de grande parte do espólio artístico do autor – em boa medida legado pelo fundador Jean Bernard, filho do artista – esta fundação francesa seria o principal emprestador do vasto acervo exposto entre Lisboa e Cascais.

O envolvimento da Fundação Calouste Gulbenkian ocorre justamente por intermédio de um contacto estabelecido por Maria José Rego de Sousa, então diretora do MBCCG. Rego de Sousa propõe a organização de uma iniciativa de grande escala ao Museu Calouste Gulbenkian (MCG). Na sequência desta proposta, Maria Rosa Figueiredo, então conservadora no MCG, encarregar-se-ia do comissariado, em estreita colaboração com Pascale Grémont Gervaise, conservadora das coleções da Fondation de Coubertin. Gervaise assina vários dos textos publicados, quer para Lisboa, quer para Cascais, proferindo ainda uma conferência de antevisão da mostra.

A FCG publicou duas edições monográficas no contexto desta iniciativa: um catálogo dedicado ao polo exposto na Gulbenkian, e um opúsculo para a mostra de Cascais. Do primeiro, destaque para a contribuição de Antoinette Le Normand-Romain (Joseph Bernard, 1866-1931, pp. 45-50), então conservadora-chefe do Musée d'Orsay, e que viria a proferir uma conferência no dia da inauguração em Lisboa. Somavam-se vários textos de Gervaise, contextualizando a obra do autor, e um artigo de Rosa Figueiredo, intitulado «A Obra de Joseph Bernard, Influência Discreta no Modernismo Escultórico Português» (Ibid., pp. 69-75), focando possíveis intercalações da obra do escultor francês com as de Ernesto Canto da Maia (1890-1981) e Diogo de Macedo (1889-1959). O catálogo incluía ainda dois excertos do próprio Macedo sobre Bernard, escritos nos anos de 1930 e 40, na sequência do conhecimento que travaram em Paris (Ibid., pp. 85-87).

Com montagem a cargo do Serviço de Exposições e Museografia da FCG, o polo exposto na Gulbenkian inaugurou na Galeria de Exposições Temporárias da Sede da FCG (piso 1) a 18 de maio de 1992 (Dia Internacional dos Museus, promovido pelo ICOM – Conselho Internacional de Museus). Reuniu 100 peças de Bernard, desde esculturas de vulto redondo aos frisos em alto-relevo, passando pelo desenho, a aguarela e ainda uma pintura a óleo. O acervo catalogado fecha com um retrato do artista da autoria de Louis Bouquet.

A montagem acompanhava as diversas etapas do percurso do artista, mostrando como a sua obra se foi autonomizando da enorme influência de Rodin e fomentando para si um lugar muito próprio, anunciador de alguns dos desígnios estéticos observáveis na Art Nouveau e na Art Déco. Na orla dos anos de 1920, destaca-se na sua obra uma vocação orientalizante – bem observada por Macedo num dos textos já referidos –, embora afirmando sempre a exterioridade de um olhar ocidental, que transpira Grécia Antiga e Itália renascentista.

Ao longo da mostra, alguma documentação bibliográfica e epistolográfica ia enquadrando Bernard na sua época artística. Essa contextualização estendia-se a vídeos documentais, exibidos no Átrio da Sede da FCG e no espaço expositivo. Passava também pela projeção de slides e pela reprodução de música de fundo – nomeadamente de Ravel, Debussy e Satie (Arquivos Gulbenkian, MCG 03076). A ficha técnica da exposição, publicada no catálogo, sugere ainda registos em voz-off ditos por Mário Figueiredo.

Por sua vez, o núcleo exposto em Cascais inaugurou a 12 de junho de 1992, centrando-se no já citado bronze La Femme à l'Enfant. Habitualmente exposta nos jardins desta instituição, essa escultura apresentava-se agora no interior do palacete do Museu-Biblioteca, norteando a escolha dos dez desenhos expostos a seu lado (Joseph Bernard, 1966-1931. Mulher com Menino, 1992, p. 7).

Com textos de Gervaise, o opúsculo editado pela FCG para Cascais informa que La Femme à l'Enfant foi uma das duas edições de Bernard adquiridas pelo Estado português por sugestão de José de Figueiredo (então diretor do Museu Nacional de Arte Antiga), aquando da «Exposição de Arte Francesa» na Sociedade Nacional de Belas-Artes de Lisboa em 1934 (Ibid.). A segunda foi o bronze n.º 2 de Jeune Fille à la Cruche (1912), do acervo do Museu Nacional de Arte Contemporânea – obra emprestada para esta antológica na FCG. Uma edição de menor escala, Jeune Fille à la Cruche (Reduction) (1910), foi também exposta. Pertence acervo do MCG, e fora adquirida por Calouste Gulbenkian em 1927 (Inv.320).

O programa de atividades paralelas à exposição foi vasto. Entre 20 de maio e 5 de junho de 1992, um ciclo intitulado «O Ofício de Escultor» trouxe ao Grande Auditório e Auditório 3 da Sede da FCG obras cinematográficas que têm na escultura um tema central. Houve também lugar para um programa de visitas comentadas, sob o título «Pontos de Vista», e que contou com a colaboração de personalidades destacadas das artes e da cultura portuguesas, entre as quais o escultor Lagoa Henriques e o poeta David Mourão-Ferreira. Há também notícia do agendamento de uma visita mais pontual, orientada pela curadora Maria Rosa Figueiredo, a um grupo da União Noelista de Lisboa (Bilhete da União Noelista de Lisboa para o MCG, s.d. [jun. 1992], Arquivos Gulbenkian, MCG 03315)

Os Arquivos Gulbenkian guardam documentação interna que indica uma boa afluência de público, aliada a uma boa sinalização do evento por parte da comunicação social. Estima-se que, nos menos de dois meses em que esteve patente, a mostra tenha recebido mais de dez mil visitantes – número bastante expressivo tendo em conta a época em que foi realizada e o artista em questão. Regista-se também as vendas de 61 catálogos, 405 jornais de exposição, sete cartazes e 11 opúsculos referentes ao núcleo de Cascais. A Fondation de Coubertin enviaria várias publicações para serem comercializadas durante a exposição, vendendo-se oito livros e 313 postais (Ibid.). Ofereceu também algumas publicações sobre Bernard à Biblioteca de Arte da FCG (Arquivos Gulbenkian, MCG 03076).

Daniel Peres, 2019