Os Inumeráveis Estados do Ser

Lisboa 94. Capital Europeia da Cultura

Exposição organizada pelo Museu de Imagens do Inconsciente (Brasil), em colaboração com o Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão e integrada no evento Lisboa 94 – Capital Europeia da Cultura. A exposição apresentou trabalhos resultantes da aplicação de terapia ocupacional, método inovador no campo da psicologia.
Exhibition organised by the Museu de Imagens do Inconsciente (the Museum of Images of the Unconscious), Brazil, in collaboration with the José de Azeredo Perdigão Modern Art Centre, included in Lisbon 94: European Capital of Culture. The exhibition included works made as a result of occupational therapy, an innovative psychological method.

«Os Inumeráveis Estados do Ser» foi o nome da exposição inaugurada a 18 de outubro de 1994 na Galeria de Exposições Temporárias da Sede da Fundação Calouste Gulbenkian (piso 01), realizada no âmbito das comemorações de Lisboa 94Capital Europeia da Cultura. A exposição resultou de uma colaboração entre o Museu de Imagens do Inconsciente, no Rio de Janeiro, e o Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão (CAMJAP), e representou a participação institucional do Brasil no evento Lisboa 94.

A iniciativa, que partiu do convite a Nise da Silveira, médica pioneira no uso da terapia ocupacional, contou com o apoio do Ministério da Saúde, do Ministério da Cultura e de José Aparecido de Oliveira, embaixador do Brasil em Portugal. A exposição mostrou os resultados da aplicação da terapia ocupacional, assim como dos seus avanços terapêuticos e criativos em pacientes com doenças mentais, lembrando a coleção de Arte Bruta reunida por Jean Dubuffet, em Lausanne, Suíça, e apresentada na FCG em 1982 no âmbito da exposição «Imagens da Suíça Francesa: Cantão de Vaud. Oito pintores, Oito Cineastas».

O conjunto de trabalhos apresentados faz parte do acervo de 300 mil documentos plásticos do Museu de Imagens do Inconsciente – órgão do Ministério da Saúde, localizado no Centro Psiquiátrico Pedro II, no Rio de Janeiro –, inaugurado em 1952 e cujo interesse científico reside no seu contributo para a pesquisa de imagens e símbolos criados através de uma produção plástica espontânea, associada a casos clínicos. Este museu teve a sua origem na Secção de Terapêutica Ocupacional, uma ala de tratamento do Centro Psiquiátrico Nacional de Engenho de Dentro – instituído por Nise da Silveira, em 1946 –, que se opunha a tratamentos como o coma insulínico e o eletrochoque. Nise da Silveira procurava, com esta prática inovadora no campo da psicologia, compreender o mundo dos pacientes com doenças mentais, levando-os a comunicar de uma forma não verbal.

O título da exposição remete para uma citação do poeta e dramaturgo francês Antonin Artaud ao comentar uma pintura surrealista de Victor Brauner: «O ser tem estados inumeráveis e cada vez mais perigosos.» (Antonin Artaud cit. por Nise da Silveira, Os Inumeráveis Estados do Ser, 1994, p. 5) Ao recuperar esta frase, Nise da Silveira queria assinalar a existência de acontecimentos na psique humana que por vezes não apontam no sentido de uma patologia mas de manifestações do desmembramento e transformação do ser, alcançáveis através de trabalhos manuais como a pintura e a modelagem.

Neste sentido, os organizadores pretenderam que a exposição contribuísse para a alteração da perspetiva social sobre as doenças mentais, mas também que levantasse questões associadas à psicologia humana e ao tratamento dos doentes.

A exposição, que apresentou trabalhos de pintura e desenho, repartiu-se em sete temas que propunham a reformulação da psicologia tradicional: «Miséria do hospital psiquiátrico», «Vivências do espaço», «Abstração e geometrismo», «Dissociação/Ordenação», «O afeto catalisador», «Temas míticos» e «Que é a ruína esquizofrénica?».

O primeiro núcleo temático da exposição, «Miséria do hospital psiquiátrico», era constituído por trabalhos realizados em torno da visão que os pacientes tinham da instituição onde se encontravam, dando ênfase à sua expressão.

Em «Vivências do espaço», o foco incidia sobre o modo como os pacientes encaravam o espaço que os envolvia, nomeadamente, o espaço do ateliê de pintura.

«Abstração e geometrismo» mostrava como estes estilos pictóricos, ao contrário do que defendia a psicologia tradicional, não são sintomáticos de uma situação de esquizofrenia, opondo-se ao caos e à confusão do estado psíquico.

«Dissociação/Ordenação», quarto tema da exposição, resultou do envio, e consequente análise, da fotografia de trabalhos realizados por pacientes com esquizofrenia a Carl Gustav Jung. Sobre a constante presença de elementos circulares nestas pinturas, que Jung apelidou de «mandalas», disse o psicólogo suíço que simbolizavam a capacidade de recuperação e reorganização dos estados perturbados e fragmentados da psique.

No núcleo «O afeto catalisador», os trabalhos apresentados mostravam como, por vezes, a capacidade emocional e afetiva dos pacientes com esquizofrenia não é afetada, mas apenas a forma verbal de a expressar, desencadeada pela presença de animais e plantas que, neste cenário, assumem uma função catalítica, ou seja, catalisadora de uma conexão com o mundo externo.

A tentativa de comunicação foi transversal a todos os temas, e também presente na sexta parte da exposição, intitulada «Temas míticos», na qual, através da utilização de episódios mitológicos protagonizados por Dafne, Dioniso e Apolo, eram criadas correspondências com acontecimentos pessoais intensos.

No último núcleo, intitulado «Que é a ruína esquizofrénica?», foram apresentados trabalhos que se debruçavam sobre o contraste entre a visão social da doença e o potencial criativo dos doentes.

No âmbito da exposição, foi planeada a exibição de quatro documentários (O Museu de Imagens do Inconsciente; Paixão e Morte de Um Homem; Abstração e Geometrismo; Os Inumeráveis Estados do Ser) e a realização de debates, com a coordenação de Luiz Carlos Mello, curador do Museu de Imagens do Inconsciente e colaborador de Nise da Silveira, embora não tenha sido possível apurar a sua efetiva concretização.

A exposição foi divulgada na edição de outubro-dezembro de 1994 da Colóquio/Artes, revista trimestral de artes visuais, música e bailado, sendo bem recebida nos «meios científicos e culturais não só de Lisboa, como também conseguiu repercussão internacional (Brasil, França, Alemanha), merecendo destaque na imprensa e elogios da Embaixada do Brasil em Lisboa, como também do Dr. Vítor Constâncio, Presidente de “Lisboa 94”, entre outras personalidades» (Carta de Márcia Leitão da Cunha para Jorge Molder, 22 fev. 1995, Arquivos Gulbenkian, CAM 00344).

Carolina Gouveia Matias, 2018


Ficha Técnica


Artistas / Participantes


Publicações


Material Gráfico


Fotografias


Documentação


Periódicos


Fontes Arquivísticas

Arquivos Gulbenkian (Centro de Arte Moderna), Lisboa / CAM 00344

Pasta com documentação referente à produção da exposição. Contém correspondência externa, orçamentos e material para o catálogo. 1993 – 1995

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 116049

Coleção fotográfica, cor: aspetos (FCG, Lisboa) 1994


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