Regina Silveira. Projectio

Exposição individual da artista portuguesa Regina Silveira (1939), exclusivamente dedicada ao processo da anamorfose, vetor central do trabalho da artista. A mostra apresentou instalações, tapeçarias e desenhos técnicos em que a forma distorcida dos objetos do dia-a-dia convida a um novo olhar sobre o que nos é mais familiar.
Solo exhibition of the work of Portuguese artist Regina Silveira (1939) exclusively dedicated to anamorphosis, a central theme in the artist's work. The show presented installations, tapestries and technical drawings in which the distorted forms of objects from everyday life invited new perspectives on things that are most familiar to us.

Dando continuidade à forte presença da arte brasileira na Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) no final da década de 1980, a exposição individual de Regina Silveira (1939) inaugurou a 29 de janeiro de 1988 na Galeria de Exposições Temporárias da Sede (piso 01). Foi exclusivamente dedicada ao processo da anamorfose, vetor central do trabalho da artista.

Uma anamorfose é geralmente uma imagem que representa um determinado objeto ou fenómeno com uma distorção formal, calculada geometricamente para que o espectador, de um determinado ângulo de visão, consiga visualizar o referente representado em coerência perspética com as suas proporções normais. Implica, por vezes, o uso de um dispositivo espelhado, geralmente curvo.

Na história da arte europeia, o anamorfismo ótico esteve muito em voga no período do Maneirismo e foi particularmente popularizado pela caveira deformada na pintura Os Embaixadores (1533), de Holbein, o Jovem (1497-1547).

Na Fundação Calouste Gulbenkian, Silveira apresentou três instalações murais, oito tapeçarias e ainda cerca de 30 desenhos preparatórios com diagramas técnicos das anamorfoses. Os objetos do quotidiano são a temática de base de todas as peças, particularmente equipamentos domésticos ou de escritório, representados sob a forma de silhuetas negras, planificadas e distorcidas. São enfiamentos de cadeiras, conjuntos de mesa, uma ventoinha, um cabide, um carrinho de chá, uma cadeira de baloiço – sempre fazendo intuir um fenómeno que gera naturalmente distorções nas formas desses artefactos do dia-a-dia: a sombra projetada.

Nas instalações, as anamorfoses eram pintadas diretamente sobre o dispositivo museológico. Em algumas delas, a arquitetura do espaço expositivo era alterada para conseguir faces e arestas estrategicamente orientadas e potenciar o efeito ótico pretendido. Quanto às tapeçarias, cinco eram de chão e três de parede – posição que variava em função da distorção perspética dos objetos representados (Regina Silveira. Projectio, 1988).

Em todos estes formatos, Silveira lança as suas figuras distorcidas mediante um estudo que equaciona a posição do espectador no espaço onde interage com estas imagens – cálculo que a série de desenhos técnicos apresentada permite acompanhar.

O observador movimenta-se no espaço, pesquisando o ângulo de visão em que a aberração geométrica se anula. Movendo-se novamente, volta a confrontar-se com a aberração inverosímil dessas formas. Este é, de resto, um dos aspetos mais salientes de qualquer anamorfose bidimensional: implica uma ação física, quase performativa, por parte do espectador. São, portanto, imagens operativas que se desdobram no campo de ação do espaço tridimensional.

Esse jogo no espaço é, por um lado, alimentado pelo facto de esses anamorfismos preservarem a escala nativa dos objetos que representam. Por outro lado, alguns aparecem ampliados num gigantismo que roça o fantástico. 

Ao longo do seu percurso, Silveira simularia a projeção destas silhuetas sobre outros objetos tridimensionais (Postais anexados a carta de Regina Silveira para José Sommer Ribeiro, 25 nov. 1984, Arquivos Gulbenkian, SEM 00376). Mais recentemente, tem apresentado as suas sombras anamórficas como se fossem diretamente projetadas por objetos também instalados no espaço. Nestes casos, propõe um jogo de simulacros: um cabide curvo passa a projetar a sombra de um revólver; uma faca espetada na parede projeta a sombra de um míssil.

Similares a sombras projetadas, as anamorfoses de Silveira fazem pensar nas silhuetas da portuguesa Lourdes Castro (1930), de temática igualmente quotidiana. No entanto, tudo o que na poética de Lourdes se manifesta introspetivo e intimista tem na obra de Silveira, artista da geração seguinte, uma aguda teatralidade e espetacularização.

Por ocasião desta exposição, foi realizado um vídeo documental da autoria de Luís Armando Vaz. Na correspondência com Sommer Ribeiro, após o fecho da exposição, Silveira diz haver «um enorme interesse [de] diversas instituições […] para ter cópias em seus arquivos de documentação», possibilidade que se encontrava inviabilizada devido à divergência entre o sistema de vídeo europeu (PAL) e o norte-americano (NTSC), então usado no Brasil. Pede auxílio a Sommer para a conversão do formato, enviando para isso a sua cópia de volta a Lisboa através de Yolanda Lullier, artista e sua colega docente na Universidade de São Paulo (Carta de Regina Silveira para José Sommer Ribeiro, 2 mar. 1988, Arquivos Gulbenkian, SBA 00376). Esse registo, originalmente em cassete (UMATIC), é hoje visionável na Biblioteca de Arte da FCG.

«Projectio» foi uma exposição com um processo de produção longo. Remonta a um «contacto feito em fevereiro» de 1984 (Carta de Regina Silveira para Sommer Ribeiro, 25 nov. 1984, Arquivos Gulbenkian, SEM 00376), provavelmente por altura de uma exposição da artista na Galeria Diferença, em Lisboa. Mas é apenas a partir do início de 1987 que a correspondência entre Silveira e Sommer Ribeiro começa a deixar transparecer uma estratégia de viabilização do evento. Passaria por fazer chegar as obras da artista brasileira a Lisboa na volta de peças de Helena Almeida (1934-2018) que se previa virem a ser expostas em janeiro de 1988 no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP) (Carta de Regina Silveira para José Sommer Ribeiro, 6 de jun. 1987, Arquivos Gulbenkian, SEM 00376). Silveira lecionava nessa Universidade desde 1974 e tinha já dado nota, anteriormente, de que essa exposição de Helena Almeida tinha sido aprovada (Carta de Regina Silveira para José Sommer Ribeiro, 26 jan. 1987, Arquivos Gulbenkian, SEM 00376).

Contrariamente ao que esta epistolografia faz supor, não se encontraram registos de exposições da artista portuguesa no MAC-USP entre 1987 e 1988. Contudo, Silveira concretizaria o plano de fazer coincidir as datas dos projetos que planeava trazer a Lisboa no início de 1988: esta mostra na FCG e uma nova exposição na Galeria Diferença («Regina Silveira: Inflexões», 1988), também para fevereiro desse ano. Essa conjugação agradaria não apenas à artista, como também às demais entidades envolvidas, permitindo otimizar questões logísticas e promocionais. De resto, o apoio do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), órgão governamental brasileiro que providenciaria as passagens aéreas da artista, dependeria do objetivo pedagógico de orientar uma oficina de gravura na Cooperativa Diferença, concomitante à exposição que lá realizaria. Isso já tinha sido discutido com Irene Buarque (1943), antiga bolseira da FCG em 1973/74 e a residir em Lisboa desde então e membro da Cooperativa Diferença, da qual tinha sido um dos dez artistas fundadores em 1979 (grupo do qual também fez parte a artista Helena Almeida, já aqui referida).

A Diferença cimentou então vários elos. Tinha inclusivamente coorganizado a exposição «Artistas-Fotógrafos em Portugal» no MAC-USP, em 1984 (ano em que se inicia o contacto entre Regina Silveira e a FCG) e em que Helena Almeida e Irene Buarque estiveram entre os 19 artistas participantes – entre os quais, Alberto Carneiro (1937-2017), Ana Vieira (1940-2016), Eduardo Nery (1938-2013), Ernesto de Sousa (1921-1988) ou Jorge Molder (1947).

Mais tarde, já em 1990, Regina Silveira contactaria novamente a FCG, solicitando apoio para a edição de um catálogo no âmbito de uma exposição que realizaria na Cooperativa Árvore, no Porto, em outubro desse ano. A proposta foi aceite pela Fundação, que concedeu um subsídio através do seu Serviço Internacional (Ofício de Pedro da Cunha para Regina Silveira, 1 out. 1990, Arquivos Gulbenkian, SBA 17527). A decisão foi homologada por um parecer de Fernando de Azevedo, então diretor-adjunto do Serviço de Belas-Artes da FCG, do qual se depreende que a exposição em causa terá sido «Auditorium II». Era constituída por uma única anamorfose de chão, de grandes dimensões, instalada na sala de exposições da Cooperativa Árvore, onde, na mesma altura, Silveira desenvolveria ainda seminários de gravura em lito-offset (Ofício de Fernando de Azevedo, 25 set. 1990, Arquivos Gulbenkian, SBA 17527). Não foram, no entanto, encontrados registos de publicação do referido catálogo.

O mesmo ofício de Azevedo frisa que essa deslocação da artista brasileira a Portugal fora também motivada pelo convite para selecionar os artistas brasileiros da secção estrangeira da Bienal de Gravura da Amadora.

Daniel Peres, 2018


Ficha Técnica


Artistas / Participantes


Publicações


Material Gráfico


Fotografias


Multimédia


Documentação


Periódicos


Páginas Web


Fontes Arquivísticas

Arquivos Gulbenkian (Serviço de Exposições e Museografia), Lisboa / SEM 00376

Pasta com documentação referente à produção da exposição. Contém correspondência, material gráfico e recortes de imprensa. 1988 – 1988

Arquivos Gulbenkian (Serviço de Belas-Artes), Lisboa / SBA 17527

Pasta com documentação referente à produção da exposição a realizar no Porto. Contém correspondência e pareceres. 1990 – 1990

Arquivos Gulbenkian (Serviço de Exposições e Museografia), Lisboa / SEM-S007-P0276-D00890

Coleção fotográfica, cor: aspetos (FCG, Lisboa) 1988

Arquivos Gulbenkian (Serviço de Exposições e Museografia), Lisboa / SEM-S007-P0276-D00891

Coleção fotográfica, cor: aspetos (FCG, Lisboa) 1988

Arquivos Gulbenkian (Serviço de Exposições e Museografia), Lisboa / SEM-S007-P0276-D00892

Coleção fotográfica, p.b.: aspetos (FCG, Lisboa) 1988


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