Fernão Cruz. Morder o Pó  

Primeira exposição de Fernão Cruz (1995), com curadoria de Leonor Nazaré, que o escolheu em resposta a um pedido de Penelope Curtis para encontrar um jovem artista emergente. A exposição foi ainda distinguida no presente ano com o prémio da SPA Autores 2022 na categoria de Melhor Exposição de Artes Plásticas.
An exhibition by the young artist Fernão Cruz (1995), curated by Leonor Nazaré, originally programmed for the Modern Art Centre Project Space, a gallery devoted to solo shows by contemporary artists, showcasing projects of an experimental nature.

A exposição «Fernão Cruz. Morder o Pó» foi a primeira exposição que o Centro de Arte Moderna (CAM) apresentou depois da chegada de Benjamin Weil, atual diretor do serviço, e retomada uma organização autónoma com a designação precedente – CAM –, deixando para trás cinco anos de fusão com o Museu Calouste Gulbenkian. A fusão (e posterior divisão, no segundo semestre de 2020) deu-se por decisão do Conselho de Administração da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) em 2015, concretizando-se na existência de uma entidade museológica única, composta por duas coleções e espaços autónomos: a Coleção Moderna e a Coleção do Fundador. Foi durante este período, mais concretamente em 2019, que a exposição «Fernão Cruz. Morder o Pó» foi programada, ainda sob a direção de Penelope Curtis. Pensada para ocupar o Espaço Projeto do edifício, que se destinava à organização de exposições individuais de arte contemporânea nacional e internacional, através da apresentação de criações de natureza declaradamente experimental, quer de artistas emergentes, quer de artistas mais consolidados, este espaço servia o intuito de mostrar, no contexto institucional da arte contemporânea, pesquisas artísticas diversas, concebidas no universo mais recente de produção de cada artista.

Fernão Cruz havia já exposto a sua obra com alguma regularidade desde 2015 e revelava, associada a uma produção profícua, «resultado da tentativa de devorar o mundo num apetite sôfrego, digerido pelas mãos» (Correia, Umbigo, 10 jan. 2022), uma singularidade e um arrojo invulgares, o que por si só justificaria plenamente a sua apresentação neste contexto. Esta premissa sai fortalecida quando somos confrontados com a data do seu nascimento, 1995, e com o seu breve mas intenso percurso, que o inscreve numa continuidade que a FCG procura manter: o seu compromisso em apoiar e estimular artistas em fases cruciais do seu trabalho. A curadoria ficaria a cargo de Leonor Nazaré, que o escolheu em resposta a um pedido de Penelope Curtis para encontrar um jovem artista emergente.

Com a chegada da pandemia, foi necessário estabelecer novas datas para a exposição e, na incerteza que se vivia no que respeitava à reabertura dos espaços museológicos, a mostra acabou por sofrer as contingências de um adiamento indefinido. Acrescentou-se a esta circunstância o facto de o edifício do CAM ter sido, entretanto, encerrado para obras de expansão e renovação. Ainda que bastante mais tarde do que se previa e num local diverso daquele para o qual fora pensada, a exposição «Fernão Cruz. Morder o Pó» esteve patente na Galeria de Exposições Temporárias do Museu Calouste Gulbenkian, entre 24 de setembro de 2021 e 17 de janeiro de 2022.

Será inevitável afirmar que as referidas circunstâncias tiveram influência na natureza desta exposição. Se pensarmos que a ideia inicial do projeto seria utilizar um espaço diverso daquele em que foi apresentado e também que algumas destas obras foram produzidas em 2021 (muito depois da primeira data que se configurou para a exposição), somos forçados a admitir que os adiamentos sucessivos da exposição a transformaram.

Se existia já uma predisposição de Fernão Cruz para uma reflexão sobre a queda, a morte, a espera, o luto, o tempo e a passagem material e simbólica de estados de alma e de consciência díspares e tão familiares ao ser humano e às formulações artísticas de todos os tempos – que aliás é trazida com humor e crueza para o próprio título da exposição, «Fernão Cruz. Morder o pó» –, tal será facilmente ponderável quando nos são dadas a conhecer as trinta obras apresentadas, dez pinturas e vinte esculturas produzidas para o propósito desta mostra. O próprio espaço da sala adquire uma transformação em organismo formal, indispensável para a experiência plena das dimensões convocadas como tema. Arena ou palco, cena e bastidor, sala de ensaios ou laboratório, o espaço divide-se em três: duas salas amplas e um corredor estreito e escuro. Não é possível aceder à segunda sala sem atravessar o corredor – acesso único entre as salas –, tal como não é possível retornar à primeira sala sem uma segunda travessia pelo mesmo. A experiência tripartida da exposição é marcada por esta passagem, termo que aliás dá o título ao notável texto assinado pela curadora da mostra no catálogo, Leonor Nazaré, e que sintetiza a essência da exposição do seguinte modo: «Esta é a pequena história da aventura humana em três atos: inocência, procura e conhecimento; ou paraíso, ousadia e queda; porventura alegria, caminho e metafísica.» (Fernão Cruz. Morder o Pó, 2021, p. 25)

Na primeira sala, ampla e clara, dispõem-se dez pinturas de dimensões razoáveis, todas datadas de 2021, e através das quais circulamos num universo eufórico, carregado de cor, tinta, símbolos e pistas libertados da mão do artista com dramatismo, exaltação e avidez: buracos, escadas, paredes, fósforos, relâmpagos, correntes, mãos, pernas e olhos são alguns dos elementos que encontramos dispersos pelas pinturas. Estas obras, com títulos sugestivos, como no caso de Cair em palco ou O eterno monólogo, revelam uma qualidade teatral e voyeurística que se insinua constantemente, quer em literalidade quer de modo ontológico, porventura imperativo no caso do artista, na criação de uma ficção humorada, na qual não deixamos, ainda assim, de pressentir a frustração do mundo ou da vida por apreender, manifestados na espera impaciente, na queda, no abismo, na estrada sem fim (na pintura Próximo passo), na convocação sôfrega de luz e na intensidade do gesto na tela.

No canto direito da sala, uma porta cria o acesso à referida passagem escura e estreita, o corredor iluminado por apenas uma lâmpada ao fundo, elemento-chave simbólico da imposta caminhada no vazio. O corredor estreito e escuro (nas palavras do artista, «fosso») é a charneira entre dois lugares contrastantes: «A passagem é isso mesmo, o que fica no meio dos polos, a construção, o que verdadeiramente importa: a experiência vivida em pleno.» (Ibid., p. 34) Chegados ao fim da travessia, abre-se um espaço novamente amplo, habitado por esculturas, dispostas de modo aparentemente despojado na penumbra, indicativas da chegada a um outro lugar, de natureza íntima, no qual a aproximação do visitante terá necessariamente de se organizar de modo mais silencioso, mais lento e com um tipo de atenção ao detalhe mais agudo. Protagonizado pela escultura Aceitação. Despedida, ponto referencial da sala, na qual vemos representados, em gesso, um homem (com acentuada expressividade nas mãos) desapossado do seu robe por uma monumental ave de rapina suspensa – inspirada pela pintura de Jan Asselijn (1610-1652), The Threatened Swan, obra que marcou o artista numa visita ao Rijksmuseum –, este lugar revela-se como uma espécie de cartografia biográfica do artista disposta em fragmentos esculpidos. Um objeto-relógio em bronze que marca a hora do seu nascimento, Começo, ou no caso da obra Coroação, objeto em bronze no qual pode ler-se o nome do artista e 1995, o ano do seu nascimento, objetos que evocam a memória familiar como o robe do seu falecido avô nas garras da ave, ou Três canecas. Uma sou eu, ou as solas dos seus sapatos, ou a obra Confronto, um espelho com uma escova de dentes que não oferece reflexo. Nestes objetos reconhecemos elementos já representados na primeira sala: de novo a centralidade das mãos, escadas, as paredes, as setas, cordas (ou correntes), os buracos para outros lugares.

Em contraste com o título da obra em que vemos um olho a espreitar-nos através de um buraco na primeira sala, com o título Olho que tudo quer ver, encontramos agora o busto de um homem, com o título Homem cego que tudo vê. Em alguns aspetos, as duas salas podem ser o avesso uma da outra, um lugar único habitado por uma presença de alguém inconformado, inquieto, perseguido por um êxtase oscilante que se vai inscrevendo em objetos que ficam suspensos no tempo, como se tivessem sido abandonados apenas segundos antes de poderem ser vistos. A condição mortal, o pó da cinza e a qualidade do efémero ecoam na dispersão de elementos exortados sem narrativa.

A categoria formal não traduz a essência daquilo que a «passagem» propõe: «Não me interessa estabelecer uma diferença entre as duas salas a partir de suportes ou meios, sejam eles a pintura ou a escultura. O trabalho é um plano horizontal onde tudo coexiste. Tudo o que projeto sobre o que não vejo, ou não sinto, coloco do lado da passagem, do lado invisível», ou quando afirma: «Todas as pinturas ou objetos que faço são forçados a ser irmãos.» (Ibid., p. 34)

A qualidade fragmentária que ocupa o espaço é, para o artista, «mais instintiva do que a unificação de uma imagem exclusiva e estanque, e, de qualquer modo, pressupõe, logo a seguir, o esforço da união ou da composição» (Ibid., p. 35). Será por esse motivo, porventura – a composição erguida numa luta entre a construção e a destruição –, que a maior parte das esculturas da segunda sala são produzidas antes das pinturas dispostas na primeira, o que poderá levar a especulações referenciais curiosas e a uma desejada circularidade neste jogo de enigmas formados numa estrutura que só se experiencia plenamente quando se completa a travessia duas vezes.

O percurso liberta-se desse modo (talvez até por contingência da própria Galeria, mas afortunadamente neste caso) de um sentido cronológico, formal e narrativo. Como afirma Celso Martins na crítica que redige sobre a exposição: «Em nenhum dos casos, porém, há uma “mensagem” ou uma narrativa clara. Com frequência, tanto as pinturas como as esculturas isolam pequenos teatros que remetem para condições autobiográficas, para entorses de perceção, imagens fendidas ou trocadilhos verbais que podem gerar uma blague ou um curto-circuito semântico ou emocional. O resultado é em geral enigmático, mas possui a capacidade de gerar uma associação na cabeça do observador, seja por analogia, contradição ou surpresa. […] Tudo isso se passa quase sempre ao nível raso do quotidiano, das escovas de dentes, das canecas, das cadeiras, mas os objetos parecem bailar permanentemente entre uma materialidade vincada e a sua dissolução, entre a comicidade e o pathos, entre a vulnerabilidade humana e um fugidio mais além tão incerto como atraente.» (Martins, Expresso, 1 out. 2021, p. 70)

A exposição foi acompanhada de um catálogo bilingue (português/inglês), com projeto gráfico de Andreia de Almeida e fotografias a cores de Bruno Lopes, contendo uma apresentação de Benjamin Weil, o já citado ensaio de Leonor Nazaré, «A Passagem», uma entrevista da curadora a Fernão Cruz, com o título «Conversa», e a biografia do artista. Na primeira edição da publicação, uma tiragem de trezentos exemplares, cada catálogo incluía também um desenho de Fernão Cruz em folha avulsa e destacável, que naturalmente não pode ser comercializado individualmente.

Na sequência da mostra foram adquiridas seis obras para a coleção do CAM, a saber: A gruta e o espião (Inv. 21P1938), O eterno monólogo (Inv. 21P1940), Cair em palco (Inv. 21P1939), Esqueleto para nada (Inv. 21E1943), Assalto (Inv. 21E1942) e o conjunto escultórico Aceitação. Despedida (Inv. 21E1941), obra que se poderia destacar como súmula da exposição: «Salvífico ou terrível, águia ou abutre, anjo ou ave de rapina, cisne, ganso, falcão ou Simürg: todos se cruzam num mesmo arquétipo aglutinador, manifestado por essa ave desmesurada que vem buscar despojos no espaço escuro da instalação. A segunda sala é um lugar abissal, um sorvedouro de luz onde será necessário encontrar um raio ascendente.» (Fernão Cruz. Morder o Pó, 2021, p. 25)

A exposição foi muitíssimo bem acolhida pelos media, destacando-se as críticas de Luísa Soares de Oliveira no Público, com o título «Retrato do artista posto a nu por si próprio»; de Francisco Correia, na revista Umbigo, «No feixe de luz por baixo da porta – Fernão Cruz na Gulbenkian»; de Ricardo Ramos Gonçalves, no Novo Semanário, «Morder o pó no terreno da intimidade»; e a já citada crítica de Celso Martins, no Expresso, «O fundo e o topo», e na qual o crítico se refere ao artista como um dos protagonistas mais estimulantes da pintura e da escultura no momento. A exposição foi destacada tanto pelo Público, como pelo Expresso nos seus respetivos dez destaques de 2021. Também no Expresso, já em 2023, Ana Soromenho redigiu um artigo com o título «Fernão Cruz: a vida, a obra e a morte (o perfil de mais um dos 50 nomes que promete dar que falar)», destacando o artista como uma das cinquenta personalidades que prometem marcar as próximas décadas.

A exposição foi ainda distinguida no presente ano com o prémio da SPA Autores 2022, na categoria de Melhor Exposição de Artes Plásticas.

Pode afirmar-se com toda a certeza que a mostra foi plenamente conseguida no seu propósito, quer essa circunstância se manifeste no número de visitantes, 22 869, no número de catálogos vendidos, na fortuna crítica e na atribuição de prémios, na entrada de Fernão Cruz para a coleção do CAM, e sobretudo naquilo que de mais desejável pode ocorrer na relação da curadoria e no potencial das instituições museológicas com um artista: uma verdadeira interlocução e mediação que situem a obra e o artista num lugar que estes possam habitar.

Vera Barreto, 2023

“Fernão Cruz. Morder o Pó” (“Fernão Cruz. Biting Dust”) was the first exhibition hosted by the Modern Art Centre (CAM) following the arrival of its current director, Benjamin Weil and since it regained its status as an independent entity, readopting its former name – CAM –, following a five year merger with the Calouste Gulbenkian Museum. The merger (and subsequent split in the second half of 2020) was the result of a 2015 decision by the Calouste Gulbenkian Foundation (FCG) Board of Directors to create a single museum, formed of two independent collections and spaces: the Modern Collection and the Founder’s Collection. During this period, more specifically in 2019, the exhibition “Fernão Cruz. Morder o Pó” (“Fernão Cruz. Biting Dust”) was programmed, at the time when Penelope Curtis was still director. It was originally intended to occupy the building’s Project Space, a gallery dedicated to solo exhibitions by Portuguese and international contemporary artists. Providing room for experimental creation by emerging and established artists, this gallery embodied the institution’s desire to showcase diverse forms of contemporary art and artistic exploration, with a focus on new work by the artists in question.

Fernão Cruz had already been exhibiting regularly since 2015 and, as well as a prolific output, “resulting from an attempt to devour the world with a voracious appetite, digesting it with his hands” (Correia, Umbigo, 10 Jan 2022), the uncommon boldness and distinctiveness of his work provided more than enough reason to offer him this space. The proposal was further reinforced by his youth – he was born in 1995 - and his short but intense career, presenting the FCG with an opportunity to deliver on its commitment to support and promote artists at key stages in their careers. The exhibition was curated by Leonor Nazaré, who chose Cruz when asked by Penelope Curtis to identify a young, emerging artist.

When the pandemic broke out, the dates of the exhibition had to be changed and, given the uncertainty surrounding the reopening of museums, the show was postponed indefinitely. The CAM building closed for extension and renovation works in the intervening period, further complicating matters. Despite considerable delay and a change of venue, “Fernão Cruz. Morder o Pó” (Fernão Cruz. Biting Dust) was finally shown in the Temporary Exhibitions Gallery of the Calouste Gulbenkian Museum from 24 September 2021 to 17 January 2022.

Inevitably, these circumstances affected the nature of the exhibition. Considering that the project was originally intended to occupy a different space and that some of these pieces were produced in 2021 (long after the original opening date of the exhibition), we must acknowledge that the series of postponements transformed the exhibition.

Fernão Cruz has always been fascinated by decline, death, waiting, grief, time and the physical and symbolic passage between the disparate states of mind and conscience intrinsic to the human experience and art history – humorously and bluntly evoked by the title of the exhibition, “Fernão Cruz. Morder o pó” (“Fernão Cruz. Biting Dust”). This becomes even more evident upon closer inspection of the works on display, ten paintings and twenty sculptures produced specifically for the exhibition. The gallery space itself is transformed into an organism, and an essential component of our experience of the themes evoked. Arena or stage, front of house or wings, laboratory or place of experimentation, the space is divided into three: two large rooms and a narrow, dark corridor. It is impossible to reach the second room without passing through the corridor – the sole access route between the rooms. Similarly, it is impossible to return to room one without passing through it again. The three-part experience of the exhibition is defined by this passage, a term that also provides the title of an outstanding essay by the exhibition’s curator, Leonor Nazaré for the catalogue. She captures the essence of the exhibition, saying: “This is a short history of the human experience in three acts: innocence, searching and knowledge; or Paradise, daring and decline; or perhaps happiness, travel and metaphysics.” (Fernão Cruz. Morder o Pó, 2021, p. 25)

The first room, bright and spacious, contains ten fairly sizeable paintings, all dating from 2021, which invite us into a euphoric world, brimming with colour, ink, symbols and clues that flow from the artist’s hand with drama, exaltation and avidity: holes, ladders, walls, matches, lightning, chains, hands, legs and eyes are among the motifs repeated throughout the series. These works, with intriguing titles such as Cair em palco (Falling on stage) and O eterno monólogo (The eternal monologue) are imbued with a certain theatricality and voyeurism, both literally and ontologically. For the artist, this is, perhaps, essential to the creation of a fiction which, while humorous, also betrays a sense of impatience to grasp the world and life, which manifests itself in restless waiting, decline, the abyss, the endless road (in the painting Próximo passo), the frantic evocation of light and the gestural intensity of the canvases.

A door in the right-hand corner of the room leads onto the dark, narrow corridor mentioned above, illuminated only by a light at its end, a symbol of the forced step into the void. The narrow, dark corridor (or “pit” in the words of the artist) is the hinge between two contrasting spaces: “The passage is just that, what lies between two poles, construction, what really matters: an experience lived in full” (Ibid., p. 34). Upon reaching the end of this crossing, another large space opens before us, inhabited by sculptures, seemingly arranged in isolation in the semi-darkness, marking our arrival in another dimension, an intimate space that compels visitors to approach it more quietly, more slowly, paying greater attention to detail. Centred around the sculpture Aceitação. Despedida, the focal point of the room, a plaster depiction of a man (with expressively exaggerated hands) stripped of his bathrobe by a colossal, suspended bird of prey – inspired by Jan Asselijn (1610-1652) painting The Threatened Swan, a piece that spoke to the artist on a visit to the Rijksmuseum –, this space reveals itself to be a sort of biographical map of the artist’s life in sculpted fragments. A clock-like bronze object entitled Começo marks the time of his birth, while the bronze piece Coroação, features the name of the artist and 1995, the year of his birth. Other objects evoke memories of his family, such as the bathrobe belonging to his dead grandfather in the talons of the hawk, Três canecas. Uma sou eu, the soles of his shoes, and the piece entitled Confronto, a toothbrush and a mirror that gives no reflection. In these objects, we notice the repetition of motifs from the first room: again, there are hands, ladders, walls, arrows, cords (or chains), holes leading to another place.

Here, in contrast with the title of a piece in the first room, depicting an eye peering at us from a hole, Olho que tudo quer ver (Eye that wants to see everything), we encounter a bust entitled Homem cego que tudo vê (Blind man who sees everything). In a way, the rooms are the mirror image of one another, a single space inhabited by the presence of someone restless, unconventional, pursued by a wavering extasy written in a series of objects suspended in time, as if abandoned just seconds before we see them. The mortal condition, the dust of ashes and ephemerality echo in this array of scattered objects with no narrative.

The “passage” is not simply a transition between different forms: “I am not interested in establishing a distinction between the two rooms based on formats or media, painting or sculpture. The work is a horizontal plane on which everything coexists. Everything I project about what I do not see, or do not feel, I put on the passage side, on the invisible side”. The artist also affirms that: “All of the paintings or objects I make are forced to be siblings”. (Ibid., p. 34)

The fragmentary quality that defines the space is, for the artist, “more instinctive than creating a single, unified, watertight image and, in any event, it assumes a subsequent effort to make connections, to compose” (Ibid., p. 35). It is perhaps for this very reason – composition based on the struggle between construction and destruction –, that most of the sculptures in the second room were produced before the paintings in the first, which may lead to interesting speculation about referentiality and the deliberate circularity of this puzzle, set in a structure we can only fully experience by making the crossing twice.

The layout of the exhibition therefore frees itself from chronological, formal and narrative readings (perhaps due in part to the change of venue, a positive on this occasion). As Celso Martins argues in a review of the exhibition: “In either case, however, there is no ‘message’, or at least, no clear narrative. Often, both the paintings and the sculptures are small, isolated theatres, referencing autobiographical details, twisted perceptions, shattered images or wordplay capable of amusing or creating a semantic or emotional short circuit. The overall result is enigmatic, but possesses the capacity to generate associations in the mind of the viewer, whether by analogy, contradiction or surprise […] On almost all occasions, this occurs in the familiar, everyday sphere of toothbrushes, mugs, chairs, but the objects seem to constantly dance between solid physicality and dissolution, between humour and pathos, between human vulnerability and an elusive place beyond, as uncertain as it is appealing.” (Martins, Expresso, 1 Oct 2021, p. 70)

The exhibition was accompanied by a bilingual catalogue (Portuguese/English), featuring graphic design by Andreia de Almeida and colour photography by Bruno Lopes, which contained an introduction by Benjamin Weil, the aforementioned essay by Leonor Nazaré, “A Passagem”, an interview with Fernão Cruz by the curator, entitled “Conversation”, and a biography of the artist. In the first edition of the publication, a run of three-hundred copies, each catalogue also included a drawing by Fernão Cruz on a separate detachable page, which, naturally, could not be sold separately.

Following the exhibition, six pieces were purchased for the CAM, namely: A gruta e o espião (Inv. 21P1938), O eterno monólogo (Inv. 21P1940), Cair em palco (Inv. 21P1939), Esqueleto para nada (Inv. 21E1943), Assalto (Inv. 21E1942) and the sculpture group Aceitação. Despedida (Inv. 21E1941), a piece that captured the essence of the exhibition: “Redemptive or terrible, eagle or vulture, angel or bird of prey, swan, goose, falcon or Simürg: all are combined in a single unifying archetype, embodied in this immense bird searching for plunder in the darkened exhibition space. The second room is an abyss, a space of darkness in which we must find a ray of light.” (Fernão Cruz. Morder o Pó, 2021, p. 25)

The exhibition was very well received in the media. Highlights of this coverage included reviews by Luísa Soares de Oliveira in Público, entitled “Retrato do artista posto a nu por si próprio”; by Francisco Correia, for Umbigo magazine, “No feixe de luz por baixo da porta – Fernão Cruz na Gulbenkian”; by Ricardo Ramos Gonçalves, in Novo Semanário, “Morder o pó no terreno da intimidade”; and by Celso Martins for Expresso, cited above, “O fundo e o topo”, in which the critic calls the artist one of the most exciting figures working in painting and sculpture today. The exhibition was featured in Público and Expresso as part of their top ten highlights of 2021. Also in Expresso, but this time in 2023, Ana Soromenho wrote a piece entitled “Fernão Cruz: a vida, a obra e a morte (o perfil de mais um dos 50 nomes que promete dar que falar)”, identifying the artist as one of the fifty personalities that would make a mark in the coming decades.

This year, the exhibition also received the SPA Autores 2022 award for Best Visual Art Exhibition.

We can say with confidence that the exhibition fully achieved what it set out to do, in terms of visitor numbers - 22 869 - catalogue sales, critical reception and accolades, and the acquisition of works by Fernão Cruz for the CAM collection. Above all, it achieved the best possible outcome for any curator/artist relationship, demonstrating the power of museums to support artists: true dialogue and collaboration that situates the work and the artist in a space they can truly inhabit and make their own.


Ficha Técnica


Artistas / Participantes


Eventos Paralelos

Visita(s) guiada(s)

À Conversa com a Curadora e Artista. Leonor Nazaré e Fernão Cruz

24 set 2021
Fundação Calouste Gulbenkian / Museu Calouste Gulbenkian – Galeria de Exposições Temporárias
Lisboa, Portugal
22 out 2021
Fundação Calouste Gulbenkian / Museu Calouste Gulbenkian – Galeria de Exposições Temporárias
Lisboa, Portugal
19 nov 2021
Fundação Calouste Gulbenkian / Museu Calouste Gulbenkian – Galeria de Exposições Temporárias
Lisboa, Portugal
Encontro

Conversa com Curadora e Artista. Leonor Nazaré e Fernão Cruz

26 out 2021
Fundação Calouste Gulbenkian / Museu Calouste Gulbenkian – Galeria de Exposições Temporárias
Lisboa, Portugal

Publicações


Material Gráfico


Fotografias

Fernão Cruz; Guilherme d'Oliveira Martins (à dir.)
Fernão Cruz (à esq.); Guilherme d'Oliveira Martins (à dir.)
Fernão Cruz
Fernão Cruz
Fernão Cruz; Isabel Mota (ao centro)
Emílio Rui Vilar (ao centro)
Leonor Nazaré
Fernão Cruz
Fernão Cruz
Fernão Cruz
Fernão Cruz
Fernão Cruz
Fernão Cruz
Fernão Cruz
Fernão Cruz
Fernão Cruz
Fernão Cruz

Multimédia


Documentação


Periódicos


Páginas Web


Fontes Arquivísticas

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa

Conjunto de documentos referentes à exposição. Contém materiais gráficos, catálogo, pressbook, entre outros. 2020 – 2022

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 370401

Coleção fotográfica, cor: inauguração (FCG, Lisboa) 2021

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 370566

Coleção fotográfica, cor: montagem (FCG, Lisboa) 2021

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 370783

Coleção fotográfica, cor: aspetos de sala (FCG, Lisboa) 2021

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 363469

Coleção fotográfica, cor: aspetos de sala (FCG, Lisboa) 2021

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 410940

Coleção fotográfica, cor: aspetos (FCG, Lisboa) 2021

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 359949

Coleção fotográfica, cor: aspetos (FCG, Lisboa) 2021


Exposições Relacionadas

Definição de Cookies

Definição de Cookies

Este website usa cookies para melhorar a sua experiência de navegação, a segurança e o desempenho do website. Podendo também utilizar cookies para partilha de informação em redes sociais e para apresentar mensagens e anúncios publicitários, à medida dos seus interesses, tanto na nossa página como noutras.