Governar para a próxima eleição ou para a próxima geração?

O caso de Portugal (1995-2019)

São vários os obstáculos que os decisores políticos enfrentam quando tentam implementar medidas políticas de longo prazo, entre os quais a resistência geral dos indivíduos à mudança e a aversão dos políticos ao risco.

Que condições favorecem a implementação de políticas públicas a longo prazo?

Analisámos várias tentativas de implementação de políticas na abordagem aos problemas de longo prazo em Portugal e identificámos casos de sucesso e de insucesso em áreas de política pública diferentes – meio ambiente, segurança social, mercado de trabalho, saúde, natalidade e família.

Procurar consenso com as partes interessadas

A procura de consenso com as partes interessadas, ou seja, a disposição governamental para envolver a oposição, os stakeholders relevantes, encontrar compromissos e possibilitar que a reforma seja aplicada de forma faseada, é o requisito mais importante, revelando-se mais importante do que a medida estar incluída no programa eleitoral.

 

Casos de sucesso

A posse para consumo passou a ser distinguida do tráfico de droga a partir da definição de quantidades limite para a posse. Os consumidores passaram a ser encaminhados para as Comissões para a Dissuasão da Toxicodependência (CDT) que avaliam o consumo e o nível de dependência das drogas. Os dependentes passaram a ser encaminhados para tratamento, os restantes são sujeitos a sanções administrativas. Assim surgiu um novo paradigma na política para as drogas, que ultrapassou a criminalização dos toxicodependentes e passou a orientar-se na lógica da saúde pública. O tema foi discutido no âmbito de comissões parlamentares, tendo havido um esforço de concertação que permitiu envolver a oposição no processo de elaboração final da lei, harmonizando os projetos iniciais e diminuindo a possibilidade de conflito. A medida foi aprovada apenas com os votos contra de parte do PSD (ficou dividido) e CDS-PP. O tema envolveu também cientistas e o movimento associativo, bem como o então Presidente da República, Jorge Sampaio, e figuras políticas relevantes à direita, como António Pires de Lima, à época Bastonário da Ordem dos Advogados.

A medida estabeleceu que, caso os progenitores optassem por partilhar a licença parental, esta passaria a receber um bónus de 30 dias de licença paga. Para a aprovação desta medida contribuiu o facto de ter havido tanto um consenso político, como das partes interessadas. Já havia um consenso anterior entre os partidos (PS, PSD, BE, PCP) sobre a necessidade de conciliação entre a vida familiar e profissional; e o facto de o Governo ter conseguido que a medida não se traduzisse num custo direto, nem para os empregadores, nem para trabalhadores, sendo totalmente garantida pela Segurança Social, tornou a medida consensual junto dos parceiros sociais.

Esta taxa dirige-se a utilizadores intensivos de recursos hídricos, como os produtores agrícolas e industriais, que geram maior impacto ambiental. O valor da TRH pago pelo utilizador está dependente da finalidade da utilização da água, e a receita arrecadada destina-se ao Fundo Ambiental e à Associação Portuguesa do Ambiente. O Governo negociou com o setor agrícola - o maior utilizador de água em Portugal – condições especiais de cobrança, para controlar a oposição e criar um consenso para que a medida fosse aprovada.

Desde 1976, sempre que uma empresa tivesse que recorrer a esta solução, o critério para postos de trabalho com conteúdo funcional idêntico era a antiguidade. Esta alteração determinou que o despedimento seria decidido de acordo com um conjunto de critérios hierarquicamente organizados, sendo o principal o desempenho. Um consenso inicial entre PSD, CDS-PP, PS e parceiros sociais foi importante, embora se tenha esvaziado quando o Governo PSD/CDS-PP teve que fazer alterações à lei devido ao bloqueio do Tribunal Constitucional. A reformulação já não teve o apoio dos restantes intervenientes e o Governo avançou com a sua implementação unilateralmente. Neste sentido, a persistência e liderança do governo foi fundamental para que a medida de longo prazo fosse aprovada, embora o consenso inicial tenha sido também relevante.

 

Casos de fracasso
(Não houve consenso)

Esta medida foi considerada pelo PSD e pelo PS, de forma a responder ao problema da segmentação do mercado laboral português, onde coexistem trabalhadores com contratos permanentes e trabalhadores com contratos precários. O contrato único de trabalho substituiria os contratos a prazo e permanentes, fundindo características de ambos. A forte resistência de patrões - por lhes retirar a flexibilidade na gestão dos seus recursos humanos que a segmentação permite -, e dos sindicatos - que reconheceram o contrato único como mais uma forma de limitação dos direitos laborais -, para além das divergências internas no seio do governo PSD/CDS-PP, em 2011, e do PS em 2015, levaram a que não tenha havido uma procura eficaz de consensos no sentido de avançar com a medida.

Comunicar os benefícios da medida com base em evidência científica

A produção de evidência científica e comunicação dos benefícios da medida mostraram-se importantes para elaborar a lei e justificar a sua adoção, legitimando-a.

 

Casos de sucesso

Esta taxa dirige-se a utilizadores intensivos de recursos hídricos, como os produtores agrícolas e industriais, que geram maior impacto ambiental. O valor da TRH pago pelo utilizador está dependente da finalidade da utilização da água, e a receita arrecadada destina-se ao Fundo Ambiental e à Associação Portuguesa do Ambiente.

O Governo negociou com o setor agrícola - o maior utilizador de água em Portugal – condições especiais de cobrança, para controlar a oposição e criar um consenso para que a medida fosse aprovada.

Os mecanismos de monitorização e de avaliação da implementação da política, como os relatórios anuais do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD) permitiram a disponibilidade de dados que salientavam os benefícios da medida e os riscos da sua ausência.

 

Casos de fracasso
(pouca produção de evidência ou de comunicação dos benefícios)

Conhecido como «imposto sucessório», incidia sobre heranças a partir de 1M€, com o objetivo de diversificar as fontes de financiamento da Segurança Social e de promover mais justiça fiscal, reduzindo desigualdades de riqueza que se perpetuam por gerações. O formato inicial da medida e a receita potencial basearam-se em formatos existentes no estrangeiro e não num estudo consistente sobre a realidade portuguesa, o que dificultou ao Governo a comunicação dos benefícios da medida, que já de si era complexa e apresentava dificuldades de compatibilização com outras estratégias fiscais e com os acordos de dupla tributação em vigor entre Portugal e outros países. Sem certezas, a discussão acabou por ser levada a cabo pelos media, tendo o governo sido sempre mais reativo do que ativo.

No seguimento de uma diretiva europeia que visava a criação de uma rede ecológica europeia – a Rede Natura 2000 – os Estados-Membros deveriam identificar, nos seus territórios, os habitats a integrar esta rede e comunicá-los à Comissão Europeia (CE). De seguida, os habitats deveriam ser mapeados, estudados, e deveriam ser criados planos de gestão para os proteger. A falta de vontade de assumir o investimento necessário para o cumprimento da diretiva - cartografias, planos de gestão e manutenção da Rede Natura 2000, foi um dos fatores que levaram ao não cumprimento desta diretiva, bem como o facto de o Governo não ter procurado comunicar efetivamente junto dos proprietários de terrenos e autoridades locais os benefícios da medida. A isto soma-se o facto de não haver um grupo de pressão forte para defender a medida, o que deu margem aos sucessivos governos para retardar a implementação da mesma.

Usar constrangimentos europeus e outras influências externas

A existência de constrangimentos europeus e outras influências externas (ex.: crises), revelou-se um fator favorável a reformas de longo prazo.

 

Casos de sucesso

A Diretiva Quadro da Água (que apenas obrigava a uma reforma do quadro legislativo da água) foi utilizada pelo Governo do PS como argumento para viabilizar a criação da TRH em Portugal, e para atenuar as oposições de setores como a agricultura, contribuindo para justificar a implementação da taxa dentro de um quadro global de uma «nova política» de gestão da água.

O facto de se vivenciar um contexto «keynesiano» na União Europeia, em que os Estados-Membros foram incentivados a gastar em despesa social, permitiu ao governo propor uma medida que noutras circunstâncias políticas e económicas seria mais difícil adotar.

O elevado desemprego relacionado com a crise deu condições ao Governo para enquadrar as medidas como soluções para estimular a criação de emprego, principalmente jovem, numa altura em que o desemprego desta camada era bastante elevado. Além disso, Portugal estava sob intervenção externa e esta era uma das medidas que constava do acordo assinado com a Troika.

Pressionar através da opinião pública, da sociedade civil organizada e dos media

A pressão social vinda da opinião pública, a sociedade civil organizada (ONG, parceiros sociais, movimentos sociais) e os media, também se revela eficaz para implementar reformas de longo prazo.

 

Casos de sucesso

A tomada de posição pública por parte de nomes bem posicionados no cenário político, os grupos profissionais a que pertenciam (médicos, juristas, etc.), bem como o facto de estas vozes terem vindo de diferentes famílias políticas, permitiu solidificar o consenso e envolver a opinião pública no debate. Além disso, este processo de implementação envolveu a sociedade civil, ao incluir no debate as ONG e atores sociais relevantes nos organismos criados para monitorização das políticas implementadas, criando, portanto, atores que apoiam a medida a longo prazo.

 

Casos de fracasso
(pouca pressão social)

As oportunidades e vantagens da Rede Natura 2000 são pouco conhecidas, o que demove a sua implementação quer por parte das autoridades, quer por parte dos proprietários de terrenos que se localizam dentro da Rede Natura 2000. Assim, as ONG ligadas ao ambiente e os partidos ambientalistas (pequenos) têm sido os únicos atores a pressionar para a implementação da diretiva.

Incluir a política no programa eleitoral

Curiosamente, o mandato eleitoral não se revelou um fator muito relevante, existindo várias políticas que constavam de programas eleitorais e não foram implementadas.

 

Casos de fracasso
(mesmo havendo mandato eleitoral)

A primeira referência a este imposto surgiu no programa eleitoral do PS para as legislativas de 2015. A medida não avançou porque o próprio Governo concluiu que a aplicação deste imposto seria pouco exequível. Em 2019, o imposto sobre heranças foi incluído no programa eleitoral do Bloco de Esquerda, mas o Governo PS, apesar de ter negociado algumas medidas à esquerda para viabilizar o Orçamento de Estado 2020, não considerou este imposto.

Esta medida foi proposta pelo PSD em 2011 no programa eleitoral e de governo. Contudo, o contrato único não foi implementado. Em 2015, o PS chegou a incluir a medida em versões preliminares do programa eleitoral, mas não a integrou na versão final.

“Governar para a próxima geração ou para a próxima eleição?

Sessão inserida na conferência “O estado do futuro: um compromisso entre gerações”, com Catherine Moury (NOVA FCSH), Lídia Pereira (Eurodeputada), Miguel Costa Matos (Deputado à Assembleia da República) e Raquel Vaz Pinto (Fórum Futuro).

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