A obra de Jorge Martins S/Título de 1985 pertence a um conjunto de pinturas a óleo sobre tela, na sua maioria de grande dimensão, realizadas na primeira metade da década de 1980. Estas pinturas “s/ título” têm em comum, para além do abandono de títulos descritivos ou narrativos, utilizados em muitos dos trabalhos anteriores (e posteriores), o uso de uma tela de trama larga e espessa, de cor bege acastanhada, por vezes cinzenta, não totalmente intervencionada. Sobre esta superfície vazia da tela, o artista suspende formas abstratas, imprecisas, em permanente tensão entre o geométrico e o orgânico. São formas de cor ou formas recortadas na cor que convocam uma paleta rica e luminosa (ou fortemente iluminada) que vai dos amarelos aos laranjas, dos vermelhos aos rosas, dos azuis aos verdes. Nesta obra, a ideia de recorte contamina o próprio suporte, uma vez que os dois cantos superiores da tela estão (re)cortados – o canto superior direito parece mesmo sujeito a uma dobra ou pli* “de cor” –, alterando assim a forma rectangular ou quadrangular tradicional do suporte em pintura, fazendo-a oscilar para o campo do objeto (ou da própria escultura). Oscilação que as formas de cor acentuam porque, no imediato, são percecionadas como formas de cor coladas, em vez de pintadas. Lembram os papiers coupes de Henri Matisse, cortados na cor e suspensos, num primeiro momento, nos próprios muros do ateliê e, posteriormente, colados sobre folhas de papel brancas.

A obra é particularmente conseguida e indiciadora de um fazer de assumida experimentação em pintura, fazendo convergir vivências e memórias das estadas parisiense (1961-1991) e nova-iorquina (1975-1976) do artista que o coloca em contacto com as correntes artísticas que animam, na Europa e nos Estados Unidos, os anos de 1960 e 1970, quer sejam o Nouveau Réalisme ou a Pop Art, quer sejam, finalmente, as diferentes experiências do Abstracionismo Geométrico Norte-Americano, nomeadamente o uso da shaped canvas (tela recortada).

A obra S/ Título foi adquirida para a coleção do CAM em 1986, por recomendação do júri da III Exposição de Artes Plásticas, organizada pela Fundação Calouste Gulbenkian no mesmo ano, o artista será aliás Prémio Desenho no contexto da mesma exposição. Para além desta pintura, a coleção do CAM tem ainda duas outras obras deste período, realizadas em 1983 (Inv. 84P517) e em 1984 (Inv. 84P519).

 

Rita Fabiana
Abril de 2013

 

*Data de 1967 a pintura Pli contre Pli, uma obra de referência no percurso de Jorge Martins.