Era suposto Amadeo de Souza-Cardoso dedicar-se à arquitetura quando rumou a Paris em 1906. O entusiasmo pela caricatura e pelas novas propostas no campo da pintura que brotavam na capital francesa acabariam por se sobrepor ao plano de estudos inicial. Porém, o artista deixou-nos várias pinturas de arquitetura exterior, casas na paisagem, de 1912 a 1916, e interior, incluindo a icónica Cozinha da casa de Manhufe, de 1913.

Amadeo tanto pintou habitações numa paisagem portuguesa, sobretudo durante a Primeira Guerra Mundial — casas que se vão tornando cada vez mais luminosas e coloridas em 1915-1916, em A casita clara — paysagem e nos estudos a aguarela a esta associados —, como algumas paisagens francesas: Título desconhecido (Bellevue), de 1911, Paisagem Basca, datável de 1914, e uma belíssima aguarela Aldeia em Rocamadour, um registo da vila por onde passou com a sua mulher Lucie em julho de 1914.[1]

Nas longas e frequentes viagens entre Paris e Manhufe, a sua terra no norte de Portugal, próximo de Amarante, Amadeo certamente faria desenhos. Será o caso destes estudos de desenho ágil a tinta da China? A geografia íngreme é aparentemente compatível com a localização de Rocamadour, mas as fachadas levantam algumas dúvidas. Serão estes esboços outro registo da passagem de Amadeo por esta vila na Occitânia? Se assim for, apresentam uma visão mais próxima da vila, de alguém que se passeia no seu interior, ao passo que a aguarela se distancia do povoamento, estilizando-o e planificando a sua volumetria ao limite. Tanto na aguarela, como nos desenhos a tinta da China, o pintor deixa bem vincada a verticalidade da paisagem onde se inserem as casas.   

 

Marta Soares

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[1] Catarina Alfaro, “Fotobiografia”, in Helena de Freitas (coord.), Amadeo de Souza-Cardoso. Catálogo Raisonné: Fotobiografia, Lisboa: CAMJAP – Fundação Calouste Gulbenkian; Assírio & Alvim, 2007, p. 209.