Victor Musgrave, fundador da emblemática Gallery One, em Londres e entusiasta da obra de Paula Rego e do que nela reconhecia de «marginal», recusou-se a expor Salazar a Vomitar a Pátria porque, na sua opinião, tinha «falos a mais». Em Lisboa, a Galeria de S. Mamede incluiu-a no catálogo da exposição 10 Artistas da Galeria S. Mamede, realizada em Maio de 1972, mas omitiu o nome do ditador e substituiu «vomitar» pelo inglês «vomiting».
«Será que ousarei, disse a mim mesma, ousarei fazer a pintura de Salazar a vomitar a Pátria? Porque na realidade o que devia ser era a Pátria a vomitar Salazar. Isto até era ligeiramente simpático em relação ao ditador, o que era uma coisa extremamente perversa», recorda Paula Rego em conversa com Marco Livingstone, comissário da exposição retrospetiva realizada no Museo Nacional Reina Sofía, Madrid, 2007. «Ousarei?», interrogava-se Paula Rego com insistência. E de facto ousou. Com um humor sardónico e uma espécie de expressionismo orgânico fez justiça à educação liberal que o pai lhe transmitira e que soubera aprofundar em Inglaterra. Se a leitura das obras eróticas de Henry Miller tinha sido libertadora, a descoberta da pintura visceral de Jean Dubuffet, nomeadamente na exposição Paintings 1943 – 1957, na Arthur Tooth & Sons Gallery (Londres, 1958), consolida a vontade da artista seguir o seu próprio caminho, mesmo que isso implicasse não fazer a pintura «séria, de adulto», aprendida na Slade School, e incomodar a moral instituída.
Ao lado de Salazar está uma mulher de ostensivos pêlos púbicos. Na conversa com Marco Livingstone, citada anteriormente, Paula Rego conclui: «Ainda não sei o que está aquela mulher ali a fazer, mas ela tem um escudo.»
Susana Neves
Maio 2010