• 1964
  • Tela
  • Técnica-mista
  • Inv. 65P263

Paula Rego

Retrato de Grimau

A criação de imagens e de histórias sempre foi, no trabalho de Paula Rego, forma de pronunciação. De investigação sistemática das possibilidades plásticas da pintura, da construção figurativa e narrativa de um momento que emerge do corpo e da ação de personagens projectados. Mas sobretudo um modo de apreensão e reflexão sobre o mundo, de posicionamento sensível e pessoal em relação a temas e acontecimentos, que por razões diversas, estimulam ou desassossegam a artista. Se algumas dessas linhas temáticas são reincidentes, a década de 1960, em particular, é profícua na formação de um discurso onde uma vertente mais politizada investe o seu trabalho. A artista atribui essa atenção à formação desenvolvida pelo contacto com a realidade portuguesa e britânica onde a informação circulava sem as restrições nacionais, e ao tipo de educação recebida no seio de uma família especialmente interessada. A presença do pai como o elemento responsável e motivador é aliás referida repetidamente por Paula Rego. Em 1960 executa Salazar a vomitar a Pátria, cinco anos depois, os Cães de Barcelona onde dá conta de eventos perturbadores ocorridos em Portugal e em Espanha. É neste contexto que se enquadra a pintura Retrato de Grimau, produzida à semelhança das outras obras deste período, numa composição formalmente intensa, perturbadora pela visceralidade e firmeza com que a emoção é transformada através do desenho e da colagem, em imagem. A artista expressa a sua posição, procura tomar voz, resistir à impunidade e à desinformação, sem ser engajada ou se afastar dos propósitos da sua pesquisa pictórica, dar corpo a histórias que organizam o caos percetível do mundo: “É como uma pessoa, uma história. Então o quadro ia-se desenvolvendo conforme as histórias. O quadro puxava a história, a história puxava o quadro. Até se chegar ao fim. Enchia o último canto, estava a história acabada”, dirá em entrevista anos mais tarde.

Evoca-se Julián Grimau, protagonista de um dos momentos mais tensos e arrebatadores da história política contemporânea espanhola. A sua biografia, e especialmente o desfecho que teve, acabaria por cruzar a de outro protagonista da época, a do general Humberto Delgado, militar nascido em 1906, assassinado na fronteira espanhola por agentes da polícia política portuguesa, em 1965, por ter procurado derrubar o regime salazarista nas eleições de 1958. Tal como nas obras destes anos, é o aspecto de dilaceração exposta e recomposta que se evidencia. As figuras são desenhadas, recortadas, truncadas, coladas, de novo pintadas, misturam o gesto da artista com outros materiais, como as folhas de jornal. Apesar de haver uma concentração figurativa e narrativa na secção inferior da tela reforçada pelo cromatismo mais intenso, é talvez a figura dual, bicéfala que quase centra a composição um dos elementos mais enigmáticos da imagem. A par da data suspensa como signo memorial neste palimpsesto. Não é de estranhar que a morte de Grimau tenha sobressaltado Paula Rego. Grimau era polícia de formação, filiou-se no Partido Comunista pouco após o início da Guerra Civil, razão pela qual foi denunciado e detido para interrogatório em Novembro de 1962. Submetido a tortura pela polícia foi defenestrado ficando em coma com lesões de gravidade extrema, enquanto o regime procurava justificar o ato como tentativa frustrada de suicídio e avança com a sentença de morte para o prisioneiro. Numa ação de dimensão invulgar, a comunidade internacional uniu-se em protestos contra a decisão, e personalidades de diversos quadrantes da vida política e pública pediram clemência a Franco e ao seu ministro da Informação Manuel Fraga. A cobertura do evento atravessou as fronteiras espanholas, sobretudo motivada pela eficácia dos movimentos nacionais e internacionais de resistência política. Apesar da contestação, Julián Grimau foi executado na madrugada de 20 Abril de 1963.

 

Ana Ruivo
Maio 2013

TipoValorUnidadesParte
Largura122cm
Altura91cm
TipoAquisição
DataAgosto 1965
Arte Portuguesa 1992
Colónia, Alemanhã, Vista Point Verlag, 1992
ISBN:3 88973 602 5
Catálogo de exposição
Arte Contemporáneo Portugués
Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, Centro de Arte Moderna, 1987
Catálogo de exposição
Exhibition of works of Contemporary Art belonging to the Calouste Gulbenkian Foundation
Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1966
Catálogo de exposição
Exhibition of Contemporary Art belonging to the Calouste Gulbenkian Foundation
Fundação Calouste Gulbenkian
Curadoria: Fundação Calouste Gulbenkian
Exposição realizada pela Fundação Calouste Gulbenkian, Novembro de 1966, em Bagdade, Iraque.
Arte Contemporáneo Portugués
Fundação Calouste Gulbenkian
Curadoria: CAM/FCG
Fevereiro de 1987 a Março de 1987
Madrid, Museo Espanõl de Arte Contemporáneo
Exposição organizada pelo CAM e pelos ministérios dos "Asuntos Exteriores" e da Cultura de Espanha. 
Arte Portuguesa 1992 - Cem Obras da Arte Contemporânea de Portugal
Contemporâneo, Gesellschaft zur Förderung zeitgenössischer portugiesischer Kunst in Deutschland
Curadoria: Rui Mário Gonçalves
14 de Junho de 1992 a 23 de Agosto de 1992
Kunsthalle Dominikanerkirche, Kulturgeschichtliches Museum; Galerie an der Bocksmauer em Osnabruck.
 
Portuguese Paintings from the last 3 decades
Fundação Calouste Gulbenkian
Curadoria: José Sommer Ribeiro e Maria José Moniz  Pereira

Dezembro de 1988

Pinacoteca Museum, Atenas

 
Atualização em 01 maio 2023

Definição de Cookies

Definição de Cookies

Este website usa cookies para melhorar a sua experiência de navegação, a segurança e o desempenho do website. Podendo também utilizar cookies para partilha de informação em redes sociais e para apresentar mensagens e anúncios publicitários, à medida dos seus interesses, tanto na nossa página como noutras.