«Love shop» ou como colecionar o amor
Let Us Face the Future foi o slogan e o prospeto de uma declaração do Partido Trabalhista (PT) inglês para as eleições gerais de 1945, no Reino Unido. O PT apresentou um programa radical que incluiu diversas nacionalizações e a criação de um estado social, mas sobretudo empregou o «V» de «Vitória» da Segunda Guerra Mundial para anunciar uma paz próspera e perdurável. Assim, Attlee venceu as eleições com maioria, derrotando inesperadamente Churchill.
Let Us Face the Future. British Art 1945-1968 foi o título da mostra na Fundació Joan Miró, em Barcelona, inaugurada em novembro de 2010. A surpreendente exposição comissariada por Richard Riley e Andrew Dempsey permitiu acompanhar as mudanças políticas, sociais e culturais numa Inglaterra onde a liberdade e a criatividade ganharam, do pós-guerra até aos anos 60, um crescente destaque, como nos explicaram os curadores.
A Fundação Calouste Gulbenkian soube, de forma exemplar, acompanhar esta realidade e por isso detém uma coleção de arte britânica histórica, que dá conta da multiplicidade de propostas artísticas, sobretudo entre 1959 e 1965.
Love Wall [Mural do Amor], de Peter Blake (n. 1932) viajou até Barcelona, juntamente com Rising Wind de Peter Lanyon e Mr. and Mrs. Patrick Caulfield de Howard Hodking.
Love Wall é, sem dúvida, uma das obras mais apaixonantes da Coleção do CAM, aquela obra-prima que lança magia e inspiração e que nos permite um olhar pausado e duradouro.
Foi apresentada nas importantes exposições Painting and Sculpture of a Decade 1954-64, que decorreu na Tate Gallery em 1964, e, em 1965, na mostra London – the new scene, no Walker Art Center, em Minneapolis. Tem viajado frequentemente para integrar exposições marcantes da Pop Art inglesa (em Roma, Madrid, Zurique) e em retrospetivas de Peter Blake (na Tate Gallery, em 1983, ou na Tate Liverpool, em 2007).
Peter Blake começou por estudar design gráfico, tal como alguns artistas ligados à Pop Art, como Andy Warhol ou Mel Ramos, antes de enveredar pela pintura no Royal College of Art em Londres.
Assim, interessado em posters e postais ou noutros elementos ligados à publicidade e ao design, Blake incorporou, nas suas primeiras pinturas, símbolos e colagens, componentes que viriam a ser também representativos da arte Pop inglesa. Estes elementos têm origem, como o próprio artista referiu, em Kurt Schwitters e, consequentemente, no movimento Dada europeu.
Blake abraçou a cultura popular na sua obra. A série de «Walls», de que faz parte a pintura da Coleção do CAM adquirida à Robert Fraser Gallery, é dedicada a estrelas como Marilyn Monroe, Elvis Presley ou Kim Novak, e incorpora janelas e portas de madeira, pintura e colagens.
Love Wall reúne 77 colagens – entre recortes de jornais e de revistas, postais e fotografias –, que representam casais apaixonados, crianças, animais, beijos, carícias, corações. Colecionar sempre fez parte da sua arte: aqui, coleciona o amor e a aparente felicidade do casal. As listras, o coração e a palavra «LOVE» fazem referência, porventura, à color-field painting americana e são símbolos que Blake usa permanentemente nas suas obras.
Quando participou no primeiro documentário de Ken Russell, em 1962, Pop Goes The Easel, Blake aparece a limpar o acrílico preto (?) – agora branco – de Love Wall, e refere que se pudéssemos entrar na loja do amor, lá encontraríamos o que vemos na montra!
Com efeito, em Inglaterra, os anos de 1960 marcaram um tempo de mudança, inovação e revolução sexual. Peter Blake estava lá e Love Wall também.
Patrícia Rosas
Curadora do Centro de Arte Moderna
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As curadoras do Centro de Arte Moderna refletem sobre uma seleção de obras, que inclui trabalhos de artistas nacionais e internacionais.
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