Uma estrutura de madeira remete-nos para uma parede ou para uma porta de casa. Sobre a sua superfície, encontramos lembranças de momentos passados: uma espécie de parede-memorial, como as que existem em muitas casas, repletas de fotografias de entes queridos, de pessoas conhecidas e de postais de férias passadas.
Peter Blake construiu-a em formato rectangular, com ripas de madeira pintadas de azul-acinzentado, criando dois rectângulos pequenos que flanqueiam um quadrado ao centro. O resultado é uma organização muito geométrica do espaço, que depois é «contaminada» por múltiplos postais (de São Valentim, de aniversário, de casamento), por imagens de vedetas de cinema (como Marilyn Monroe), extraídas de jornais ou de revistas contemporâneas, juntando-se ainda letras e, repetidamente, o número dois, dispostos de forma aleatória. Todos os elementos nos remetem para cenas amorosas e para animais de estimação, cenas kitsch, ficcionadas, ou cenas de filmes, onde encontramos um mesmo padrão: o homem viril e a mulher bonita que deseja o seu abraço protector. Transmite-se e/ou questiona-se a ideia do casal como condição de felicidade.
Nos anos 60, Blake começa a trabalhar com tábuas de madeira, preferindo esse suporte à tela tradicional. Deste modo, põe em causa o meio convencional e historicamente associado à arte – a qual se encontra em transformação. Interroga também a imagem da mulher – central nesta obra –, cujas possibilidades de vida se encontram em mudança radical, trazida pelos movimentos hippie e feminista (e sobretudo pela introdução da pílula contraceptiva).
A obra exibe a evolução de um estereótipo, mas torna ambígua a relação estabelecida com ela: podemos considerá-la exaltada ou, pelo contrário, irónica e nostálgica.
AG
Novembro de 2011