Miguel Branco

Castelo Branco, 1963

Nasceu em Castelo Branco e estudou Pintura na Faculdade de Belas-Artes de Lisboa. Com duas décadas de pintura a óleo e irregulares incursões pela escultura, as suas obras são caracteristicamente de pequena escala, com uma forte intensidade material, e quase nunca abandonam a figuração, através de referências e fontes que oscilam entre a cultura popular, a história natural ou a pintura erudita. Miguel Branco lecciona no Ar.Co – Centro de Arte e Comunicação Visual, desde 1989, onde é responsável pelo Departamento de Pintura.

Ao misturar tintas sobre uma tábua de madeira em 1987, Branco reparou em certas figuras que se formavam espontaneamente na matéria dos pigmentos. A superfície assim carregada de cores em estado bruto, somente aflorada por figuras que surgem isoladas e estranhas, sem narrativa ou contexto, definiria a ideia de fulgor material de que os seus óleos ainda hoje vivem. Se na sua primeira exposição individual, Objectos Discretos (1988), mostrou sobretudo esculturas de pequenas figuras humanas em terracota, acabaria por dedicar-se em exclusivo à pintura a óleo sobre madeira ao longo do decénio seguinte.

 

Reagindo a David Salle, o artista cuja mostra em Lisboa impressionou pelas telas gigantes, frontais e berrantes, Branco evoluiu inversamente – abandonou as grandes pinturas monocromáticas dos tempos de estudante, e cultivou as pequenas escalas (entre 20 e 40 centímetros), as cenas vagas e inatingíveis, e o colorido baço. As sucessivas exposições e séries temáticas de óleos ao início dos anos 90, permitiram consolidar cedo um idioma pictórico pessoal e a sua concepção do quadro como objecto estritamente visual, deixando as obras sem título para as livrar de tiques literários. Este purismo afastá-lo-ia da sua geração neo-expressionista, para cujos excessos Branco procurava refúgio em Chardin, estudando-lhe os fundos abstractos e monocromáticos, na sua forte emanação de presença material. Ao mesmo tempo, em Nova Iorque, descobria fascinado no Museu de História Natural os “dioramas”, um tipo de mostruário encenado para criar a ilusão de paisagens, animais ou eventos históricos. Movido por essa combinação de «ciência, teatro, magia», criou as suas enigmáticas séries de animais solitários, dentro de um estado de limbo similar, «entre a realidade e a alucinação», em que a sua pintura parece redescobrir-se constantemente. As aves, os macacos, as avestruzes e os cães que eram caricaturais em 1989, ganhariam em diante uma presença naturalista como motivo único dos óleos.

 

Embora prefira referências imagéticas que, historicamente, dependem de uma linguagem simbólica muito rica, M. Branco recusa os significados iconográficos. Os seus animais não adoptam posturas humanas, como nos bestiários antigos, nem as suas caveiras se aproximam da tradição das vanitas. Intensifica, aliás, esta vacuidade interpretativa em retratos de caras escondidas por máscaras, ou de figuras inexpressivas que impedem um reconhecimento psicológico por parte do observador. Foi esse estranhamento que o levou a explorar soluções visuais como a cenografia, o palco, planos abstractos e disposições artificiais, nesta fase muito marcada pelo ideal operático da pintura oitocentista italiana.

 

Uma crise artística obriga-o a trocar Lisboa por Londres em 1996, e deixa de pintar por seis meses. Foi altura de experimentar o desenho e a escultura em Fimo, testando novas técnicas e novos materiais para clarificar o seu trabalho pictórico que logo retomará, beneficiando do conhecimento aprofundado da obra de Stubbs, Bacon, e sobretudo de Luc Tuymans. Os quadros desta fase de angústia são escuros e monocromáticos, mas a tinta soltou-se e libertou-se, dando maior destaque à pincelada e a formas figurativas como nuvens, camas ou cães. Quando voltou a Lisboa, em 1998, a melancolia e a escala dos seus óleos diminuiriam drasticamente, em paisagens luminosas feitas apenas de nuvens, montanhas ou água parada. Entra, porém, na década seguinte a pintar cabeças com manchas opacas, tendo cavidades por olhos, que não só impedem a identificação, como em breve a subverterão, usando elementos grotescos e paranormais da ficção científica, do fantástico ou do sadomasoquismo, em figuras bizarras e monstruosas que tanto evocam o Freaks (1932), como as fotografias de Diane Arbus. Esse imaginário profano artificial e extravagante, entrelaça-se no entanto com as imagens históricas das séries seguintes, para as quais M. Branco decalcou figuras teatrais das fêtes-galantes de Watteau ou Fragonard, e deixou-as isoladas num fundo abstracto de coloração pastel Rococó. O espectro das suas referências ia-se alargando a um ritmo veloz, misturando judiciosamente citações que iam do Planeta dos Macacos (1968) a pintores eruditos como Bruegel ou Bosch.

 

Para reencontrar o caminho na pintura que abandonou por dois anos, decidiu retomar a escultura, em 2005, com a matéria plástica infantil e expressiva do Fimo, moldando alguns animais da história natural, como dodôs ou cavalos decepados, ou objectos como pufes e ovos pretos a jorrar sangue, em semi-abstracções semi-surrealistas com grande diversidade formal. Recentemente, no entanto, começou a esculpir em bronze e alumínio, e a escala dos seus quadros aumentou de modo súbito – embora sempre dentro dessa realidade intermédia, historicamente deslocada, entre homem e animal, que a um só tempo consegue mostrar e ocultar, na iminência perpétua que algo se revele.

 

 

AR

Janeiro de 2011

 

 

 

Atualização em 10 março 2016

Definição de Cookies

Definição de Cookies

Este website usa cookies para melhorar a sua experiência de navegação, a segurança e o desempenho do website. Podendo também utilizar cookies para partilha de informação em redes sociais e para apresentar mensagens e anúncios publicitários, à medida dos seus interesses, tanto na nossa página como noutras.