Manuel Botelho

Lisboa, Portugal, 1950

Arquitecto de formação, começou por ter aulas de desenho com Rolando Sá Nogueira e rumou a Londres para estudar pintura, mas a sua obra ainda teria espaço para as recentes práticas da instalação e da fotografia. Com preocupações formais neo-expressionistas, o seu percurso encontra unidade na permanente abordagem de temáticas sociais e autobiográficas. É doutorado em Pintura pela FBAUL. Vive e trabalha em S. Pedro do Estoril.

O final dos anos 60 seria crucial para Botelho, iniciando-se no combate contra as atrocidades políticas do seu tempo, ao mesmo tempo que iniciava também militantemente a sua educação artística formal. Logo em 1968, estuda desenho com Sá Nogueira na SNBA, estreia-se em exposições colectivas e ingressa no curso de Arquitectura da ESBAL. Começa a trabalhar no atelier de arquitectura do pai, Rafael Botelho, no ano seguinte, e aproveita ainda para descobrir várias capitais europeias, em cujos museus pôde amadurecer a sua cultura visual de pintura, na qual o avô, Carlos Botelho, permanecia aliás referência nacional.

Apresentou desenho na sua primeira mostra individual (1977), mas foi como arquitecto que ocupou a maior parte do tempo até decidir partir para Londres em 1983, como bolseiro da FCG na Byam Shaw School of Art, frequentando o estúdio de Image Painting de Wynn Jones. Completou, de seguida, uma pós-graduação na Slade School of Art, conhecendo Ken Kiff, e tendo por tutores a compatriota Paula Rego e Jeffrey Camp – e todos estes nomes reuniria mais tarde na exposição londrina dos Friends of Botelho (1992). Se figuração e narração era já o binómio dominante das primeiras experiências artísticas, muito por via da herança pop de Sá Nogueira, a proximidade destes artistas londrinos, e a tradição narrativa da arte britânica, abriram naturalmente as portas para que a sua pintura incubasse o estilo figurativo estridente que era o da New Image Painting, reflectindo também a sua peculiar admiração pela obra de P. Guston, a quem dedicaria uma tese de doutoramento. Pincelando com tintas escuras e espessas, numa incontinente ferocidade neo-expressionista, Botelho enchia as suas telas de uma figuração algo cartoon, representando ora relatos pessoais sobre episódios de angústia e desespero, ora imagens hipercríticas da miséria social e cultural do Portugal salazarista, tido como província beata e tacanha.

Botelho assumiu cedo o compromisso artístico de dar a ver os seus terrores pessoais, sem nunca perder o sentido ético da intervenção política. Mas no regresso a Portugal (1987) a violência dessas inquietações foi temporariamente atenuada por uma investigação mais formalista em torno da herança cubista. Sobre o anterior caos de cores, a linha começa a impor-se, estabelecendo uma ordem com formas geométricas, fortes texturas e contrastes, maior abertura cromática e corpos fragmentados, de forte intencionalidade erótica. As séries seguintes, contudo, retomam a sua vocação política e social, mergulhando em episódios autobiográficos que se transformavam em arquétipos duma situação maior. Usou, assim, a sua experiência de professor do ensino secundário nos subúrbios (1995-98), numa série de imagens que despertou o ideário de temas profanos que proliferam na sua obra: cenas de violência, escândalos sexuais e políticos, com crianças-soldado, santos, ministros ou arrumadores, que tanto adoptam poses tiradas da televisão e de periódicos, como de modelos de Botticelli ou Poussin – fazendo conviver, algo expiatoriamente, aquilo que é pessoal com o universal, a modernidade com a tradição, ou o popular com o erudito. Esta tensão entre opostos invadiria os seus desenhos e as suas pinturas, fosse em auto-representações como Cristo, ou em composições neo-maneiristas de temas religiosos ou de acontecimentos mediáticos, combinando formas, espaços e linguagens artísticas contraditórias com implacável expressividade.

O peso e a densidade que definiram os cenários nos anos 80 foram substituídos por soluções de transparência e leveza, havendo a linha triunfado sobre a cor, de tal modo que nas suas imagens dos anos 2000, a característica imagética de corpos atormentados, adereços como pistolas e microfones, ou os habituais fundos de edifícios modernistas, quase parecem flutuar no espaço. Porém, a diversidade formal que os anos 90 inauguram, trouxe também a necessidade de esboroar um pouco os caminhos que vinha trilhando em desenho e pintura, experimentando, por exemplo, a instalação, ao colocar um grupo de semáforos programados junto à Calçada de Carriche em Lisboa (1993), ou projectando um painel de azulejos para Beja (1998); e, nessa crise anunciada em pintura e desenho, decide abandoná-los por dois anos em favor da fotografia (2006-08), com que se debruçou sobre a experiência da guerra colonial, um tema recorrente que a sua versatilidade artística consegue sempre reciclar de modo inesperado na sua obra.

 

Afonso Ramos

Janeiro de 2011

 

 

Atualização em 13 abril 2023

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