Álvaro Lapa

Évora, Portugal, 1939 – Porto, Portugal, 2006

Álvaro Lapa, pintor e escritor, autodidacta, criador de um universo introspectivo e autobiográfico, a partir de um conjunto recorrente de temas, símbolos e composições visuais. A sua obra caracteriza-se por uma coerência estética e pela impossibilidade da sua inscrição em géneros; um território onde a pintura e a escrita se cruzam, numa diversidade de referências literárias, pictóricas e filosóficas.

Nascido em Évora, a 31 de Julho de 1939, vive a sua infância e adolescência no ambiente culturalmente fechado, dos anos 40 e 50, desta cidade alentejana. No liceu é aluno de Vergílio Ferreira, que lhe desperta o interesse pela arte através da literatura, e colega de António Palolo e Joaquim Bravo, futuros pintores com quem partilha afinidades. O primeiro contacto com a pintura efectua-se através de aulas de desenho com António Charrua. Em 1956, fixa-se em Lisboa onde primeiro se matricula na Faculdade de Direito e, mais tarde, na de Filosofia, licenciatura que apenas conclui em 1975.

Em Junho de 1961, efectua a sua primeira viagem ao estrangeiro, a Paris, onde estabelece contacto com pintores próximos do surrealismo e com a arte norte-americana, em particular com a de Robert Rauschenberg. No regresso, começa a pintar, incentivado por António Areal, de quem recebe o modelo de uma pintura sem escola, a ideia de Nova Figuração e a referência da obra de Robert Motherwell.

Em Março de 1964, Lapa realiza a sua primeira exposição individual na recém inaugurada Galeria 111, seguindo-se apresentações na Galeria Divulgação e Galeria Buchholz. Durante estes anos, pratica uma pintura de vocação abstraccionista e informal que, durante a sua estadia em Lagos, para onde se muda em 1965, começa a ser caracterizada por uma estruturação em séries narrativas e pelo aparecimento da palavra escrita como elemento de composição das suas obras. A metodologia utilizada por Lapa recorre, de forma continuada, a um conjunto restrito de símbolos, temas, composições, e à utilização de materiais «pobres», alternando o esmalte e a tinta acrílica sobre platex. Será também no Algarve, no seu retiro em Porto de Mós, onde reencontra Bravo e Palolo, e aprofunda a amizade com o escultor João Cutileiro, que inicia um percurso pela escrita.

Raso como chão, será o seu primeiro livro publicado, em 1977, numa época em que se estabelece definitivamente no Porto. Aí, ensina a disciplina de Estética, na Faculdade de Belas Artes, partilhando com os seus alunos textos de Gilles Deleuze e Theodor Adorno. A teoria da arte faz parte da sua obra literária com a publicação de textos nos catálogos das suas exposições. Nos seus livros encontramos também a poesia ou pequenas histórias de natureza surrealista, acompanhadas por vezes de desenhos e recortes, lembrando o fragmento ou o cut-up, descobertos em William Burroughs. A palavra escrita vai tendo uma presença cada vez mais forte na sua obra plástica, nos bordados das Profecias de Abdul Varetti, e nas inscrições no próprio suporte das suas pinturas, na série Conversas. A expressividade e repetição dos títulos de séries ou de pinturas funcionam como referência simbólica que, juntamente com uso de um número restrito de elementos visuais retomados de série para série, acentuam a ideia de uma obra criada como sistema fechado. Surgem as “grelhas”, na série Os Criminosos e as suas propriedades e Que horas são que horas; o seu cânone literário, na série Cadernos (como o Caderno de Céline, da colecção do CAM); as figuras negras, em Gauguin ou Passeio. Apesar da recepção crítica positiva da sua obra, Lapa manteve-se à margem dos mecanismos de reconhecimento artístico, atitude que reflectia também uma recusa das formas culturais estabelecidas.

Contudo, em 1978, Fernando Pernes organiza a primeira retrospectiva de Álvaro Lapa, no Centro de Arte Contemporânea, no Porto, e o início dos anos 80 são marcados pelo interesse comercial na sua obra, ilustrado pelo sucesso das suas exposições na Galeria Valentim de Carvalho. O reconhecimento prolonga-se nas exposições retrospectivas da Fundação de Serralves e da Fundação Calouste Gulbenkian, em 1994, e na atribuição do Grande Prémio EDP, em 2004.

Álvaro Lapa falece no Porto, a 11 de Fevereiro de 2006, deixando uma obra que é uma mitologia pessoal, desenvolvendo-se sobre si mesma, estruturando-se como um enigma, seduzindo porque resistindo à descodificação e esclarecimento.

 

André Silveira

Maio de 2010

Atualização em 16 abril 2023

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