Mestres do mobiliário francês do século XVIII: Boulle, Cressent e Blanchard

A conservadora Clara Serra fala-nos da evolução técnica e artística do mobiliário francês do século XVIII, tendo como ponto de partida três dos mais relevantes mestres representados na coleção de Calouste Gulbenkian.
Clara Serra 22 mar 2022 3 min

A remodelação da Galeria do século XVIII deu oportunidade a uma nova apresentação das excecionais peças de mobiliário que fazem parte da coleção Gulbenkian. Estamos a falar de exemplares executados por alguns dos mais importantes marceneiros e ebanistas da época e que demonstram o grau de sofisticação, qualidade artística e técnica que esta arte alcançou neste período.

Nesta galeria podemos observar a evolução do mobiliário ao longo do século XVIII, não só no que diz respeito às suas linhas, mas também relativamente aos materiais e técnicas, podendo ter assim uma ideia muito aproximada do que foi o mobiliário nesta época.

Os armários Boulle são exemplo do que se produzia no final do século XVII, início do século XVIII. A qualidade e mestria de André Charles Boulle levaram-no a ser nomeado por Luís XIV «Mestre ebanista do rei» e a instalar-se, sob proteção real, nas Galerias do Louvre, em Paris. A sua obra, de aspeto imponente e majestático, foi uma das que mais se identificou com a personalidade do monarca.

A característica mais marcante da sua produção é o trabalho de marchetaria em tartaruga e latão. Embora esta técnica não tenha sido inventada por Boulle, foi ele que a desenvolveu, tirando o máximo partido das suas potencialidades.

 

Atribuído a André-Charles Boulle, Par de armários. Paris, c. 1700. Carvalho, madeiras exóticas, tartaruga, bronze e latão. Museu Calouste Gulbenkian

 

Já bem setecentistas são as peças magníficas de Charles Cressent, ebanista do Regente (Duque de Orleães), e o mais prestigiado do seu tempo. A sua obra caracteriza-se por uma monumentalidade em que os bronzes, magnificamente cinzelados e dourados e com um enorme sentido artístico, adquirem uma importância e esplendor sem precedentes.

Os seus marchetados e folheados são concebidos de forma a realçar os bronzes. A obra de Cressent alcançou uma verdadeira dimensão internacional. Embora tenha trabalhado até à segunda metade do século XVIII, pleno reinado de Luís XV, foi ele o ebanista Regência por excelência.

A sua produção foi sempre fiel ao «estilo» por ele criado nos anos de 1720-1730. Cressent trabalhou para a maior parte da aristocracia francesa. O museu possui um importante núcleo de móveis da autoria deste ebanista, sendo os medalheiros provavelmente os mais imponentes.

 

Charles Cressent, Par de medalheiros. Paris, c. 1750. Carvalho, madeiras exóticas e bronze. Museu Calouste Gulbenkian

 

Mas, se estamos a falar de peças imponentes, não podemos deixar de referir o «Canapé à confidents», encomendado para o salão de verão das tias de Luís XVI, no Palácio Bellevue.

Este canapé apresenta estampilha de Jean-Nicolas Blanchard, marceneiro oriundo de uma família com tradição nesta arte. Em 1771 ascende à mestrança e pouco tempo depois torna-se fornecedor da família real. Blanchard especializa-se em móveis de assento. As suas cadeiras, canapés, entre outos, destacam-se pelas linhas elegantes e proporcionadas, conjugadas de forma harmoniosa com decoração escultórica, de grande riqueza.

 

Jean-Nicolas Blanchard e Barthélémy Mamés Rascalon. Canapé com assentos de canto. França, 1784. Nogueira e faia douradas e folha de ouro; tapeçaria dos Gobelins. Museu Calouste Gulbenkian

 

Blanchard foi sempre muito exigente na escolha dos escultores com quem trabalhava e esse facto reflete-se na sua obra. A sua fase mais interessante é talvez a dita de «transição», onde combina de forma surpreendente os elementos Luís XV e Luís XVI, alcançando um resultado de grande qualidade estética. Esta tipologia de canapé é um exemplo da criatividade e do virtuosismo dos marceneiros franceses nesta época.

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