A Coleção Gulbenkian sai do Armário Dourado?
Narrativas Queer na Coleção Gulbenkian traz à luz histórias que se são, muitas vezes, deliberadamente ou inadvertidamente, ocultadas pelas instituições de arte. Falar da homossexualidade de um artista ou «ler» uma obra de arte como queer requer, normalmente, uma justificação especial, e introduz a marca do «outro» nas mentes de muitos visitantes e curadores, de um modo que gera nervosismo e ansiedade. Daqui resulta a afirmação de narrativas de história da arte que excluem certas pessoas e certas histórias, criando desequilíbrios e desigualdades em coleções que deveriam ser para todos. Para questionar e desafiar estas narrativas é necessário dizer em voz alta, em público, que é possível fazer leituras queer e que estas podem contribuir para a nossa compreensão ou apreciação de um artista, de uma obra de arte ou de uma grande coleção.
A biografia dos artistas, tão recorrente em textos sobre artistas heterossexuais, é, em alguns casos, velada ou excluída. John Singer Sargent foi um artista que, durante toda a sua vida, nunca expressou abertamente a sua sexualidade, mas cuja obra tem vindo a ser estudada do ponto de vista da sua natureza reprimida. Temas da mitologia clássica permitem-nos contar histórias que se encontram fora da heteronormatividade e que incluem o desejo por indivíduos do mesmo sexo, tais como na pintura de Diana e Calisto, ou na estátua de Apolo, de Houdon, que se encontra no átrio do Museu Calouste Gulbenkian. Este deus, devido ao seu amor pelo belo e jovem Jacinto, tornou-se num ícone da cultura gay. Temos ainda o caso da Palas Atena, de Rembrandt, cuja ambiguidade encantadora leva o observador além do sistema de géneros binário e para o domínio da indefinição do género.
O caráter queer pode também ser um elemento de estilo, tal como explorado por Susan Sontag em «Camp – Algumas Notas» e evidenciado nas chinoiseries, na mobília rococó francesa, na joalharia Arte Nova e na exagerada performatividade contida nos retratos do século XVIII. Tal leitura enfatiza o caráter lúdico do artificialismo, deleitando-se nele em vez de o criticar.
Existe ainda espaço para uma exploração da iconografia queer em culturas e sociedades não-ocidentais, tal como o motivo do crisântemo na decoração japonesa e da peónia na decoração chinesa, ambas flores utilizadas como representações codificadas do desejo homossexual masculino. Uma das descobertas mais extraordinárias da Coleção é a página do manuscrito Bustan, de Sa’di, que ilustra a história de amor entre dois homens relatada sem qualquer tom crítico. Esta possibilidade literal de virar a página, revelando ou obscurecendo uma tal narrativa, é a razão pela qual é importante contar estas histórias em voz alta.
Michael Langan