O jarro de jade de Ulug Beg: o «Gurgan» e a sua herança

O conservador Jorge Rodrigues escreve sobre o jarro de jade branco do Museu Calouste Gulbenkian que pertenceu a três figuras ilustres: Ulug Beg, Jahangir e o seu filho Xá Jahan, responsável pela construção do célebre Taj Mahal.
17 jun 2021

O jarro (mashraba) de jade branco de Ulug Beg – filho de Xá Rukh e neto do grande Timur Lang – é uma peça singular na colecção islâmica do Museu Gulbenkian, quer por ser a única produzida neste material, como pela sua forma, que reproduz um tipo de recipiente de bronze comum no Khorasan – vasta região da Ásia central e do norte, incluindo parcelas territoriais do Afeganistão e do Irão –, frequentemente decorado a prata ou ouro. Este jarro faria parte de um conjunto de doze peças de jade executadas para Ulug Beg, tendo sido produzido entre 1417 – data em que assume o título de Gurgan (ou governador) – e 1449, ano da sua morte, constituindo uma das obras-primas das artes decorativas timúridas e revelando, ao mesmo tempo, o gosto requintado de Ulug Beg e a sua preferência por materiais preciosos.

O jade era, de resto, considerado uma pedra nobre com poderes talismânicos, tanto pelos mongóis como pelos turcos, sendo minerado nas montanhas de Kunlun (hoje na província chinesa de Xianjiang), a ocidente de Samarcanda. Tinha por trás de si uma longa tradição nas artes decorativas chinesas (com uma significativa representação na colecção do Museu Gulbenkian), mas constituía um material de excepção – e era por isso particularmente valorizado – para os tímúridas, que promoveram o seu uso em raras peças de aparato.

Um dos elementos de sofisticação e originalidade desta peça é a sua asa em forma de dragão – tema recorrente na arte timúrida –, rematando num elemento floreado, sendo toda ela produzida independentemente do corpo do jarro, ao qual foi cuidadosamente presa por rebites de ouro. A cronologia das duas peças tem levantado alguma discussão, dividindo-se os autores entre os que apontam a contemporaneidade do jarro e da sua asa – embora esta seja feita de um jade ligeiramente diferente, mais branco e com um polimento mais cuidado – e os que defendem que a asa é ligeiramente posterior, tendo sido adicionada ao recipiente pré-existente. O facto de o remate floreado da asa repousar naquilo que parece ser uma cabeça de pássaro – provavelmente um falcão, comum na arte sassânida – parece atestar uma diferença de oficina e de cronologia para este elemento do conjunto.

 

 

O local de fabrico do jarro não é igualmente consensual, oscilando os autores entre uma oficina persa, a cidade afegã de Herat ou, com maior probabilidade, a importante cidade de Samarcanda, a capital de Ulug Beg, na Ásia central, uma das mais importantes metrópoles – política, económica, cultural e artisticamente – do período timúrida. Já a asa parece ter sido produzida numa oficina persa ou do Indostão.

O jarro de jade apresenta três inscrições em três locais bem diferenciados, sendo naturalmente a mais importante a que se pode ler em relevo no gargalo, em caligrafia árabe thuluth, relativa à encomenda de Ulug Beg; a segunda inscrição, no rebordo, está gravada em caligrafia taliq e ostenta a data de 1613 e o nome do imperador mogol Jahangir, que adquiriu este objecto, passando depois para o seu filho Xá Jahan, que fez gravar uma terceira inscrição por baixo da asa. Os imperadores mogóis – e Xá Jahan em particular – reclamavam assim a sua herança timúrida, procurando competir com os seus antepassados para justificar as suas ambições dinásticas.

 

Jorge Rodrigues
Conservador do Museu Calouste Gulbenkian
O autor não escreve segundo as normas do acordo ortográfico de 1990.

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