Palavras são portas
O Sufismo é a dimensão mística do Islão, quer seja entendida como caminho espiritual, quer como ensinamento interior do Islão. Em árabe – língua sagrada dos muçulmanos – a palavra taṣawwuf, Sufismo, tem uma etimologia complexa e por vezes duvidosa, que congrega aspetos fundamentais do próprio Sufismo. As hipóteses sobre a origem desta palavra estão relacionadas com as imagens e ideias de varanda (ṣuffah), lã (ṣūf), pureza (ṣafāʾ) e, segundo alguns, sabedoria (sophía). A partir destas palavras, nos próximos parágrafos procuramos sucintamente introduzir alguns aspetos básicos e próprios do Sufismo.
Amizade de Deus
Um conceito-chave no Sufismo é a proximidade, a procura de intimidade com Deus. Os primeiros sufis eram chamados como «a gente da varanda (ṣuffah)», um termo que alude às origens do Islão e refere as pessoas que se reuniam em Medina, de baixo de uma varanda anexa à mesquita de Muḥammad (570-632), o profeta do Islão. Pela proximidade com Muhammad, essas pessoas recebiam diretamente os ensinamentos do seu guia. Desde então, os grandes sufis como Rābiʿa (718-801) e Rūmī (1207-1273) são denominados awliyāʾ Allāh, ou seja, amigos íntimos de Deus.
Luz do coração
Mencionado mais de cem vezes no Alcorão, o coração (qalb) é «trono de Deus» num dito de Muḥammad, e espelho da Luz Divina (Nūr) na poesia sufi. O coração é onde reside a natureza sagrada e primordial (fiṭrah) de toda a humanidade, sendo o recetáculo de visões místicas e palavras de orientação. O coração é o verdadeiro “órgão” do conhecimento. Com efeito, o Sufismo escapa às definições dos raciocínios mentais e as palavras só podem indicar o seu sentido autêntico, sem esgotá-lo.
Caminho de transformação
É referido que os primeiros místicos do Islão se vestiam de forma humilde, com roupa de lã (ṣūf). A humildade é outra componente chave do Sufismo e, com efeito, o sufi é frequentemente chamado dervixe ou faqīr, isto é, pobre. Este caminho pressupõe a transformação individual do ego (nafs), ou seja, dos aspetos mais ignorantes e obscuros do nosso ser. Esta jornada espiritual pressupõe que o ego passe de uma condição de tentação e rebeldia para a paz e a pureza (ṣafāʾ) interior.
Via exterior e via interior
A Unidade e Unicidade de Deus (tawḥīd) é o que os sufis desejam conhecer, através de um caminho iniciático ou via interior (ṭarīqa). Sem abdicar das práticas religiosas, da fé e da vida exterior, o caminhante deseja encontrar a excelência (iḥsān) espiritual e interior, que Muḥammad pregou. Para se realizar este caminho é preciso sinceridade, devoção, amor e a orientação de um guia (murshid).
Sabedoria divina
Há ainda quem, mesmo de forma duvidosa, tente estabelecer uma ligação entre a palavra Sufismo e o lema grego sophía, sabedoria. Sem dúvida, os sufis buscam a sabedoria – isto é, um conhecimento que advém da experiência direta. Trata-se de um conhecimento da Realidade Divina, que vai para além da dualidade ilusória do mundo e da mente. Tal corresponde a uma união mística, que é uma amorosa aniquilação (fanāʾ) do ego no Divino, o que permite a chamada subsistência (baqāʾ) da alma em Deus.
Círculos de recordação
O Sufismo não é apenas um caminho individual, pois o aspeto da vida comunitária é fundamental. Os sufis não se isolam do mundo e procuram cultivar o seu desenvolvimento em confrarias, na família e na sociedade, sem abdicar do trabalho e do encontro com o outro. Com efeito, existem práticas sufis individuais e coletivas. Exemplo disso é o dhikr, a recordação de Deus, que comumente consiste na repetição rítmica dos nomes de Allāh. Existem reuniões de dhikr coletivas, em que por vezes a repetição é acompanhada por música e dança. A dança rodopiante é uma referência que muitas pessoas associam quando pensam no Sufismo. Trata-se de uma prática de algumas confrarias, particularmente daquela do poeta e sábio persa Rūmī.
Arte, Beleza e Majestade
A música, a dança, a poesia, a caligrafia e outras artes, são expressões da Beleza e Majestade Divinas. Assim, poemas de amor sufi referem-se ao copo e ao vinho, como metáforas da complementaridade entre as práticas religiosas exteriores (copo) e do êxtase espiritual interior (vinho). O sufi encontra a Beleza em tudo, quando finalmente o ego se encontra pacificado e o coração é espelho polido que reflete a Luz Divina. Tudo ao nosso redor é uma manifestação Divina, do Uno, indiscritível e intangível, inefável e belo, majestoso e misericordioso.