Direcção. Escultura

Exposição centrada nos processos que conduzem ao trabalho final no campo da escultura. Comissariada por Rui Sanches, esta exposição reuniu em Lisboa um conjunto de importantes figuras do panorama artístico internacional, sendo bem recebida pela crítica da arte e pela imprensa portuguesa.
Exhibition on the processes involved in creating a sculpture. Curated by Rui Sanches, the show brought notable figures from the international art stage to Lisbon, and was praised by art critics and the Portuguese press alike.

«Direcção. Escultura» foi o nome de uma exposição coletiva de escultura comissariada por Rui Sanches, que teve lugar no Hall e na Galeria 1 do Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão (CAMJAP), de 28 de maio a 6 de setembro de 1998. Da exposição fizeram também parte desenhos, fotografias e um vídeo.

O conceito para a exposição partiu da necessidade de recordar que, na origem da obra, existe um processo de trabalho que não é oferecido à leitura dos visitantes do museu. Opondo-se à ideia de que a arte é apenas baseada em ideias, esta exposição procurou dar visibilidade à experimentação, ao processo de tentativa-erro, à manipulação dos materiais e a todas as pequenas fases de descoberta que fazem parte do processo da execução da obra.

A situação da escultura internacional em 1998, fruto das grandes alterações sofridas durante os anos 60 e 70, e do regresso a um modo mais tradicional, na década de 80, encontrava-se numa fase de grande diversidade de metodologias e atitudes face a questões políticas, estéticas e éticas.

Segundo Rui Sanches: «A presença no meio artístico, a partir da segunda metade da década de 60, de atitudes derivadas da arte conceptual, que acentuavam os aspectos mentais do processo criativo, levou, em certos meios, a uma desvalorização do trabalho de ateliê. A importância que ganharam neste período, por exemplo, a performance ou o vídeo, é indicativa dessa situação.» (Direcção: Escultura, 1998, p. 10)

Apesar de na década de 90 terem surgido formas de pensar associadas à arte que continuaram a ideia de desvalorização do ateliê, apoiadas na noção do artista nómada, que não necessita de se instalar num local para produzir, muitos escultores ainda veem este espaço como local privilegiado para a experimentação de conceitos, materiais e processos.

A exposição procurou trazer para primeiro plano tudo aquilo que tem lugar no ateliê e que normalmente não está acessível à leitura da obra pelo espectador, dando importância não apenas à obra final, mas a todo o processo que a ela conduz. De modo a tornar visível este aspeto da escultura, reuniu sete importantes figuras do panorama artístico contemporâneo internacional, para as quais o processo é tão importante quanto o resultado final. Foram eles Alberto Carneiro (1937), Anish Kapoor (1954), Claes Oldenburg (1929), John Chamberlain (1927), Rachel Whiteread (1963), Richard Deacon (1949) e Richard Serra (1939).

Além disto, segundo explica o comissário da exposição no documentário realizado pelo Laboratório de Criação e Cinematografia da Universidade Nova de Lisboa, os critérios de seleção das obras e dos artistas apresentados nesta mostra passou por relações de afinidade que marcaram o trabalho escultórico de Sanches.

A produção de «Direcção: Escultura» foi longa, de dois anos, e passou pelo constante diálogo entre comissário e artistas, tendo a apresentação dos trabalhos sido fruto destas conversas. O tom provocatório da exposição, cuja intenção foi marcar uma posição perante o panorama artístico da época, que desconsiderava alguns aspetos do processo para privilegiar apenas a apresentação final, aliou-se a uma atitude voluntariamente pedagógica, que queria mostrar o percurso e o modo de trabalhar destes artistas.

Ao selecionar os nomes que figurariam na exposição, houve da parte do comissário a intenção de mostrar posições muito diversas relativamente ao conceito de ateliê, do caso mais tradicional de John Chamberlain, que trabalha no seu estúdio modificando os materiais, à semelhança de Anish Kapoor, ao caso do escultor português Alberto Carneiro, cujas peças não são executadas no ateliê.

A exposição, distribuída pelos dois pisos do CAMJAP, tinha início nas peças em sucata de John Chamberlain e na instalação Mouse Museum/Ray Gun Wing (1966-1977), apesar de só estar exposta a metade Ray Gun Wing.

Nesta instalação imersiva, o artista constrói um museu dentro do espaço do museu, tratando a pistola de raios como um objeto arqueológico e uma metáfora para a obra de arte. Com Ray Gun Wing, o conceito de museu é reconfigurado e os gestos do artista têm o propósito de encontrar e expor os objetos para alterar a perceção dos visitantes, em função de um alinhamento cenográfico das formas.

Partilhando o espaço do Hall do CAMJAP, as obras de John Chamberlain, realizadas a partir de encaixes e colagens dos materiais, acumulação e compressão, deixam completamente exposto o processo no objeto final: a utilização de um material corriqueiro, como a sucata de automóveis nos Estados Unidos da América, tratada como uma matéria-prima típica da escultura, e transformada, através da solda, num novo objeto.

A exposição seguia para a Galeria 1, onde os visitantes começavam por ver as obras de Anish Kapoor, a que se seguiam os trabalhos de Richard Serra, peças de John Chamberlain, estudos e maquetes de Rachel Whiteread, desenhos de Richard Deacon e, no final da exposição, duas obras de Alberto Carneiro.

Acerca do modo como encerrava a exposição (com os trabalhos de Alberto Carneiro), José Luís Porfírio escreveu: «O objecto apresentado é processo, contém a história da sua apresentação, e essa história faz parte integrante dele. Daí, possivelmente, a escola de Carneiro para encerrar um percurso que tem a ver com processos que habitualmente se não desvendam.» (Porfírio, Expresso, 20 jun. 1998)

Evidenciando o microscópico da matéria da escultura, ou seja, o quase inexistente, como o pó, os pigmentos, o gesso e a tinta, os trabalhos de Anish Kapoor tomavam a matéria física da escultura como tema principal. Dava-se, assim, visibilidade à conexão das pequenas camadas que formam a escultura, que normalmente não são incluídas na leitura da obra, numa afirmação de que invisibilidade não significa inexistência.

O processo de conceção artística de Richard Serra foi exposto através de maquetes, plantas de estudo para a concretização e localização de obras e vídeos. Este núcleo mostrou todo o trabalho processual que culmina na obra final e que é iniciado com a avaliação da capacidade escultórica dos materiais, a relação do artista com eles e a sua conexão com o espaço envolvente. O conjunto expõe a inclusão no trabalho final dos vários obstáculos que o escultor encontra e que passam pelo teste constante de elementos fulcrais relacionados com a matéria, em que se incluem equilíbrio, peso, massa, resistência, escala, colocação e espacialização.

Os trabalhos apresentados no primeiro piso do CAMJAP pertencentes a John Chamberlain passavam pela comparação entre os pequenos formatos e os modelos para momentos. Foram ainda expostas fotografias, que registavam objetos em movimento, reveladores do mesmo sentimento de fragmentação e aglutinação presente nos seus trabalhos, feitos a partir de sucata.

O núcleo seguinte foi dedicado à obra da artista inglesa Rachel Whiteread, para a qual a escultura funciona como um grande reservatório de memórias e experimentação. No trabalho de Whiteread está exposto o processo da obra, que passa pela noção de limites, conteúdo como matéria, interior como exterior e o preenchimento das formas, como em Yellow Leaf, de 1989, peça que pertence à Coleção Moderna da FCG.

Para Richard Deacon, de acordo com a entrevista que consta no documentário da exposição, foi muito interessante a possibilidade de mostrar, através de um conjunto de desenhos que constituem a fase preparatória, a ideia e o processo sequencial que está por trás da escultura final. Tal como no núcleo de Richard Serra, foi intenção de Richard Deacon apresentar os obstáculos encontrados durante a conceção de um trabalho. Era percetível a ideia de dar a entender a lógica dos processos que dominam a sua obra através de desenhos e vários estudos geométricos da forma, para os quais a repetição e a presença de formas circulares orgânicas constituem um dinamismo latente.

A terminar o percurso da exposição encontravam-se as duas instalações de Alberto Carneiro, Os sete rituais estéticos sobre um feixe de vimes na paisagem (1975), pertencente à Coleção Moderna da FCG, e Tempo de ver, tempo de ser árvore e arte (1996). Para o escultor português, mais importante que o resultado final é o conceito que subjaz à forma que este pode assumir. Nestes dois trabalhos, a matéria não é a madeira mas a árvore, cuja identidade e estrutura original nunca são postas em causa. No objeto final, o processo revela-se como forma.

Sobre a montagem e a seleção da exposição, João Pinharanda afirmou: «A selecção e a montagem resultam como um dos raros (ou dos mais fortes) momentos pedagógicos da história recente das exposições de arte, sem que essa dimensão retire autonomia às peças e a liberdade a uma visita.» (Pinharanda, Público, 29 mai. 1998)

O texto do comissário para o catálogo da exposição reflete sobre a importância da escultura do século XX para a mudança do paradigma escultório da história da arte. Ou seja, se durante muito tempo, métodos e materiais utilizados não sofreram grandes alterações, a escultura do século XX veio quebrar esta continuidade, oferecendo uma nova perspetivada escultura, não só no que a define em termos de forma e constituição material, mas também enquanto conceito, debatendo o estatuto do artista e de obra de arte.

Numa carta endereçada a Alberto Carneiro, Rui Sanches informava o escultor do êxito da exposição e da sua receção positiva pela imprensa.

José Luís Porfírio definiu esta exposição como uma «ocasião única» (Porfírio, Expresso, 20 jun. 1998) e Luísa Soares de Oliveira, como «uma das exposições de maior peso de todas as que têm por tema genérico a escultura» (Oliveira, Público, 14 ago. 1998). No artigo para a revista Arte Ibérica, Delfim Sardo aconselhava a «visitar e levar os filhos» (Sardo, Arte Ibérica, jun. 1998).

Carolina Gouveia Matias, 2019


Ficha Técnica


Artistas / Participantes


Coleção Gulbenkian

Os sete rituais estéticos sobre um feixe de vime na paisagem

Alberto Carneiro (1937-2017)

Os sete rituais estéticos sobre um feixe de vime na paisagem, 1975 / Inv. 90E861

Yellow Leaf

Rachel Whiteread (1963-)

Yellow Leaf, Inv. 91EE43


Eventos Paralelos

Visita(s) guiada(s)

[Direcção. Escultura]

mai 1998 – set 1998
Fundação Calouste Gulbenkian / Centro de Arte Moderna
Lisboa, Portugal

Publicações


Material Gráfico


Fotografias


Multimédia


Documentação


Periódicos


Fontes Arquivísticas

Arquivos Gulbenkian (Centro de Arte Moderna), Lisboa / CAM 00404

Pasta com documentação referente à produção da exposição. Contém convite, orçamentos, apólices de seguro, correspondência externa e formulários de empréstimo. 1997 – 2001

Arquivos Gulbenkian (Centro de Arte Moderna), Lisboa / CAM 00405

Pasta com documentação referente à produção da exposição. Contém correspondência externa e formulários de empréstimo. 1997 – 1999

Arquivos Gulbenkian (Centro de Arte Moderna), Lisboa / CAM 00406

Pasta com documentação referente à produção da exposição. Contém correspondência externa e interna, formulários de empréstimo, recortes de imprensa e material para o catálogo. 1996 – 2005

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 109439

Coleção fotográfica, cor: aspetos (FCG-CAMJAP, Lisboa) 1998


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