Pieter Hugo. Este é o lugar / This must be the place

Programa Gulbenkian Próximo Futuro

Primeira exposição retrospetiva do trabalho do fotógrafo sul-africano Pieter Hugo (1976), organizada pelo Programa Gulbenkian «Próximo Futuro», em colaboração com o Fotomuseum Den Haag. Com curadoria de Wim van Sinderen, esta mostra reuniu uma seleção de fotografias de 12 séries produzidas entre 2003 e 2012.
First retrospective exhibition of the work of South African photographer Pieter Hugo (1976), organised by the Gulbenkian Next Future Programme in collaboration with the Fotomuseum Den Haag. Curated by Wim van Sinderen, the show featured a selection of photographs from twelve series produced between 2003 and 2012

Primeira exposição retrospetiva do trabalho do fotógrafo sul-africano Pieter Hugo (1976), organizada pelo Programa Gulbenkian «Próximo Futuro» (PGPF) em colaboração com o Fotomuseum Den Haag.

Em 2014, este programa de cultura e arte contemporâneas, criado em 2009 com uma duração prevista de três anos e dirigido por António Pinto Ribeiro, vivia um segundo ciclo, que decorreu entre 2012 e 2015. Com um olhar especialmente dirigido para a produção artística e o pensamento crítico produzidos na Europa, África, Améria Latina e Caraíbas, este programa procurava promover a investigação e a crítica, bem como a criação artística em diversas áreas, e potenciar novas vivências no Jardim Gulbenkian, através de uma programação diversificada, da qual faziam parte exposições, concertos, debates, entre outros eventos.

Na programação de 2014, as artes visuais, encaradas como forma de reflexão e crítica sobre a contemporaneidade, estiveram representadas através de duas exposições, uma individual e itinerante («Pieter Hugo. Este é o lugar/This must be the place»), produzida pelo Fotomuseum Den Haag, e outra, coletiva («Artistas comprometidos? Talvez»), com curadoria de António Pinto Ribeiro (programador-geral do PGPF), que se estendia para o Jardim, onde também foi erigido Totem Sul-Americano, uma instalação concebida por Tiago Rebelo de Andrade e Diogo Ramalho, que albergou a quarta edição da Festa da Literatura e do Pensamento e permaneceu naquele lugar, para ser livremente experienciada pelos frequentadores do Jardim até 30 de setembro.

Antes de chegar a Lisboa, a exposição de trabalhos de Pieter Hugo, comissariada por Wim van Sinderen (membro fundador e senior curator no Fotomuseum Den Haag), foi apresentada, entre 2012 e 2013, após a sua inauguração no Fotomuseum Den Haag (Países Baixos), em várias instituições de arte europeias: Musée de l'Elysée de Lausanne (Suíça), Stimultania de Estrasburgo (França), Ludwig Museum de Budapeste (Hungria), Fotografiska de Estocolmo (Suécia). No Edifício Sede da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG), esta mostra ocupou o espaço da Galeria de Exposições Temporárias (piso 01), com projeto museográfico da responsabilidade de Mariano Piçarra e Rita Albergaria, com a colaboração de Salomé Ventura.

Nascido na África do Sul, Pieter Hugo focou o olhar nesse país, estendendo-o posteriormente a outros pontos da África Subsariana. As suas fotografias mostram situações contemporâneas, na maioria das quais emergem marcas do passado histórico, político e social dos diferentes povos. Esse impulso e enfoque foram explicados pelo próprio aquando da exposição: «Tornei-me fotógrafo completamente por acaso. O meu pai comprou-me uma máquina fotográfica quando eu tinha 13 anos […]. Com essa idade já me apercebia que havia qualquer coisa fundamentalmente errada com o sítio onde eu vivia. A fotografia deu-me o pretexto para olhar de forma crítica para o lugar em que me encontrava.» (Pieter Hugo. Este é o lugar [vídeo], 2014, Arquivos Guibenkian, ID: 88550).

Caminhava-se então para o fim do apartheid, cujas marcas profundas permaneceriam por muitas décadas, como as suas fotografias revelam. Com o passar do tempo, diferentes realidades de grupos marginalizados, de outros pontos de África, viriam a ser registadas pela objetiva de Pieter Hugo. As viagens pelo território africano tornaram-se uma condição da sua prática, com um registo próximo do documental. Gana, Botswana, Ruanda, Nigéria foram alguns dos países onde passou temporadas a fotografar.

A primeira vez que o curador holandês teve contacto com o trabalho de Hugo foi, como o próprio relata, em 2007, durante a «Paris-Photo». Desse momento, recorda: «I was hugely impressed not simply by the format and the quality of the photographs but by what these photographs showed. For instance street performers in Nigeria who travel from town to town with an act led by trained hyenas.» (Pieter Hugo. This must be the place (Fotomuseum Den Haag) [vídeo], 2012) Wim van Sinderen refere-se à série The Hyena and Other Men (Nigéria, 2005-2007), que nesse mesmo ano integrara a mostra «Um Atlas de Acontecimentos», apresentada na Fundação Calouste Gulbenkian com curadoria de António Pinto Ribeiro, que vira um trabalho de Hugo pela primeira vez na 32.ª Bienal de São Paulo, mais precisamente a série Judges (Botswana, 2005). Ambas as séries foram selecionadas por van Sinderen para a mostra retrospetiva do então jovem fotógrafo, cuja pertinência foi justificada pelo curador com as seguintes palavras: «For someone who is only thirty-six, this is quite an early stage for a retrospective. However, he has become so well-known and produced such an impressive body of work that an overview of this kind is now appropriate.» (Ibid.)

A exposição apresentada em Lisboa reunia uma seleção de fotografias de doze séries produzidas entre 2003 e 2012. Deste conjunto faziam parte fotografias de estúdio – Looking Aside: studio portait (2003-2006), There is a place in hell for me (2011) –, registos mais ou menos encenados captados no terreno – At Home (2012), Nollywood (2008-2009) – e registos com um forte caráter documental – The Hyena & other men (2005-2007). A conjugação de elementos do fotojornalismo e das artes visuais que marca a prática de Pieter Hugo era evidente.

A Galeria de Exposições Temporárias do Edifício Sede da FCG manteve a sua configuração habitual: sete espaços de planta retangular, de igual área, e comunicantes em ambos os extremos. Em cada espaço foram expostas imagens fotográficas de uma ou duas séries. Estas eram antecedidas pelo título e por um breve texto que as contextualizava.

A disposição das séries ao longo da galeria não seguia uma ordem cronológica. O critério que orientou a sequência parece ter sido a aproximação das fotografias de Hugo a determinados géneros pictóricos, aspeto referido no texto de abertura da exposição: «O olhar de Pieter Hugo assemelha-se frequentemente a géneros de pintura familiares, como a paisagem, o retrato individual e em grupo e ainda a natureza-morta, e os temas das suas fotografias – os idosos, os pobres, os invisuais, os artistas de rua, os atores de telenovela e a sua família íntima e amigos – constituem um quadro social que proporciona uma visão intensa e desafiadora da África do início do século XXI.» (Pieter Hugo. Este é o lugar/This must be the place [estudo prévio], 2014, Arquivos Gulbenkian, ID: 268444)

As primeiras quatro séries mostravam retratos de diferentes grupos, bem como abordagens ou modos distintos de explorar esse género fotográfico, consoante os vários propósitos. Judges (Botswana, 2005) e Barristers & Solicitors (Supremo Tribunal do Gana, 2005), que abriam a exposição, são duas séries centradas nos rostos da justiça, e que mostram juízes, advogados e solicitadores vestidos com as roupas oficiais, que mascaram a sua identidade; Looking Aside: studio portrait reúne um conjunto de retratos frontais de indivíduos com aparências invulgares ou estranhas (invisuais, albinos, velhos), entre os quais se encontra um autorretrato de Hugo, funcionando como uma chamada de atenção para a discriminação e o preconceito; Pieter Hugo volta a surgir em There's a place in hell for me and my friends, uma série em que o artista procura pôr a descoberto as contradições das distinções raciais com base na cor da pele, através de um processo digital que converte imagens a cores em imagens a preto-e-branco.

A representação da morte e a crítica ao modo como esta muito facilmente se torna um número, revelando uma enorme desvalorização pelo ser humano, é um tema tratado em duas séries expostas frente a frente: The Bereaved (2005), quatro retratos de vítimas da SIDA, captados momentos antes do seu enterro, e Vestiges of a Genocide, que mostra as marcas do genocídio do Ruanda uma década depois. O tipo de registo usado remete, por um lado, para a fotografia forense e, por outro, para a prática documental.

As seis séries seguintes, produzidas entre 2005 e 2012, possuem fortes ligações com o fotojornalismo, o que é explicado por Pieter Hugo do seguinte modo: «Como venho do jornalismo muita da minha inspiração vem de um pano de fundo documental. Muitos dos meus temas encontro-os através da comunicação social. A série Erro Permanente vem de uma fotografia que vi no National Geographic sobre reciclagem global. […] Nollywood surgiu dos filmes que vi quando viajei pela África Ocidental. Hienas e Outros Homens veio de uma fotografia que vi na Internet.» (Pieter Hugo. Este é o lugar [vídeo], 2014, Arquivos Guibenkian, ID: 88550). Estas são três das séries representadas, às quais se juntam Messina/Mussina (2006), Kin (2008-2011) e At Home (2012). O curador classifica esta prática do seguinte modo: «O trabalho de Pieter Hugo é jornalístico de certa forma, mas não é fotojornalismo. Chamamos-lhe "jornalismo lento", porque o fotógrafo leva o seu tempo, escolhe os seus temas, faz as suas imagens.» (Ibid.)

Há outros aspetos que se evidenciam como a questão da composição associada a cada série. Em todas as séries anteriormente referidas, Pieter Hugo conjuga o retrato com a fotografia de paisagem e objetos (ou natureza-morta). Por outro lado, a encenação, que ocorre em alguns casos, como At Home, em que as pessoas que são fotografadas nas suas casas foram pagas como modelos, confere um certo nível de ficção à imagem, apesar da aparente crueza e banalidade das poses. Uma reflexão sobre o nu e o nu fotografado, mas também sobre a ficcionalidade da fotografia, tentando reverter a lógica ao explorar a ficção como estratégia de aproximação à realidade.

Além disso, a dado momento, a opção da utilização de câmaras de grande formato levou à necessidade de diálogo entre fotógrafo e fotografado, envolvendo cada captação o consentimento deste último, como é o caso das imagens de The Hyena and Other Men, Messina/Musina, Permanent Error (2009-2010) e Nollywood. Nestas séries a maioria dos fotografados olha diretamente para a câmara.

Estas imagens contam histórias de vida e de lugares, mas também revelam uma reflexão sobre os géneros fotográficos, que são apropriados e reinventados, como a exposição procura demonstrar.

A última série apresentada (Kin) reforça a natureza íntima e por vezes autobiográfica de muito do trabalho então recentemente desenvolvido por Pieter Hugo. Fotografias de elementos da sua família, captadas em dias mais ou menos importantes das suas vidas (a mulher, a filha, a mãe, a avó, o irmão, o sobrinho), surgem ao lado de fotografias de sem-abrigo e mendigos com quem o fotógrafo se cruza frequentemente, de locais históricos da África do Sul, mas também de paisagens desertas ou lugares de passagem, do interior de museus da Cidade do Cabo e de casas particulares de amigos e conhecidos. Com esta série, Hugo procurava refletir sobre as noções de afinidade, pertença e herança histórica.

À semelhança do que acontecera com outras exposições organizadas pelo Programa Gulbenkian «Próximo Futuro» em colaboração com outras instituições, também para esta não foi produzido um catálogo, mas sim um número do jornal Próximo Futuro/Next Future a ela dedicado. O número 15 apresentava um texto da escritora e jornalista sul-africana Stacy Hardy, que já tinha contribuído para alguns livros de exposição de Pieter Hugo, como Messina/Musina e Nollywood, com textos entre o conto e o ensaio pessoal e introspetivo. À ficção Quinze Instantâneos de Pieter Hugo, escrita a partir de imagens captadas por Pieter Hugo, seguiam-se algumas das fotografias expostas, a lista de obras e uma biografia do fotógrafo. Além desta publicação, foi disponibilizado no website do PGPF um breve vídeo sobre a exposição, com declarações do fotógrafo e do curador.

A exposição foi noticiada na imprensa escrita generalista, destacando-se uma entrevista a Pieter Hugo conduzida por Sérgio B. Gomes, na qual o fotógrafo fala nas suas motivações, dúvidas e inquietações e no modo como encara a prática fotográfica: «Para mim, ser um fotógrafo é o mesmo que ser um autor – posso escrever estórias curtas, narrativas ficcionadas, ensaios críticos, pequenos artigos, etc., etc. Como artista, tenho o direito de me movimentar por entre géneros e interrogar todos os meios de expressão.» (Gomes, Público. Ípsilon, 2014).

Mariana Roquette Teixeira, 2020


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