Susana Anágua. Desnorte

Exposição individual da artista Susana Anágua (1976). Apresentou trabalhos em suportes audiovisuais e escultóricos na senda da problematização artística da ciência e da tecnologia que tanto tem interessado a autora. Uma das peças expostas foi adquirida pela Fundação, integrando atualmente o acervo da coleção do Centro de Arte Moderna.
Solo exhibition of work by artist Susana Anágua (1976) featuring audio-visual and sculptural works as part of the artist’s questioning of science and technology, a theme which has long been present in Anágua’s work. The Foundation acquired one of the artworks in the show, which is now in the Gulbenkian Museum’s Modern Collection.

A exposição «Desnorte» foi a estreia em nome individual da artista Susana Anágua (1976) nos espaços da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG). Inaugurou a 17 de julho de 2008, na Sala de Exposições Temporárias do Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão (CAMJAP), ficando patente ao público entre o dia seguinte e 26 de outubro desse ano.

Os três trabalhos expostos integravam a produção mais recente da autora. Todos datados do ano da exposição, transportam consigo preocupações que têm marcado o trabalho da artista, no qual a ciência, a tecnologia e a indústria figuram amiúde no centro dos questionamentos. Anágua aborda a história do conhecimento científico e os artefactos que dela surgem, atenta à influência que esse legado exerce para as relações dos sujeitos com o mundo, com a sociedade e consigo próprios.

Em «Desnorte», como o título indica, a abordagem a esses tópicos inflete para problemáticas de orientação e desorientação, de direção, navegação e mapeamento. As peças apresentadas refletem sobre o modo como os sistemas de georreferenciação do espaço em redor, sejam artificiais ou biológicos, podem metaforizar a necessidade incessante de procurar um caminho.

Os registos fotográficos consultados revelam que a exposição abria com o vídeo Radar (2008). Instalado à entrada da galeria, esse loop mostrava uma sonda ou radar, vermelho, do Aeroporto de Lisboa rodopiando ao som da música de Paulo Sousa.

Já dentro da Sala de Exposições, um outro vídeo, desenvolvido com a colaboração dos artistas Orlando Franco (1977) e Natércia Caneira (1972), acompanhava uma larva de traça que ia explorando uma folha branca e um tronco que nela é colocado. Sem referências, tateia a aridez daquele espaço que lhe é estranho. A peça intitula-se Caterpillar, Geometer (Earth-Mesurer) (2008), recorrendo aos nomes que esse inseto recebe na língua inglesa e aos sentidos figurados que daí possam advir.

Além dessa projeção-vídeo, uma outra peça se impunha no espaço expositivo. Tratava-se de Polar, também de 2008, e consistia numa instalação de parede, composta por 2400 pequenas bússolas, em que ímanes e motores desnorteiam as agulhas como se tivesse ocorrido uma anomalia das leis que regem o magnetismo terrestre. Esse curto-circuito físico que a obra simula, além do desnorte conceptual que suscita, estende-se às interferências óticas que gera na perceção visual do espectador. As orientações variáveis das agulhas lançam automaticamente o cérebro numa tentativa de congregar padrões visuais, uma espécie de exercício gestaltista.

As sensações de desorientação eram intensificadas quando as luzes da sala se desligavam. Uma breve nota na parede informava o público de que permaneceriam dois minutos acesas e outros dois apagadas. Durante a fase de maior escuridão, fosforesciam linhas de coordenadas pintadas a tinta fluorescente no interior do espaço expositivo. Brilhavam também as agulhas fosforescentes das bússolas de Polar, como um imenso painel de cintilações – espécie de firmamento metafórico, sem norte fiável, e em que uma eventual Estrela Polar (que indica o Norte) se torna indistinta das demais, hipotecando qualquer codificação cartográfica.

Polar foi adquirida pela FCG em 2009, e está hoje incorporada na coleção do Centro de Arte Moderna (Inv. 09E1575) (Arquivos Gulbenkian, CAM 01065).

«Desnorte» propôs poéticas de reflexão sobre a demanda incessante por um rumo – busca que pode ser tão geográfica quanto filosófica, tão biológica quanto simbólica, tão vital quanto existencial. Implicado nas peças expostas, o espectador faz a mediação entre essas múltiplas dimensões de reconhecer e cartografar o espaço em redor, seja ele físico ou mental, reconsiderando também o desconforto que se dá na abstinência de uma orientação satisfatória, ou na falência dos meios que a permitem. No seu conjunto, a exposição fazia pensar como, por vezes, é justamente a experiência da desorientação e da deriva aquilo que se torna fundamental no processo de encontrar um caminho. Pois o Norte, quer nos seus significados mais práticos, quer nos seus sentidos mais figurados, pode bem ser aquilo que permanece perpetuamente como devir. Procurá-lo, pode revelar-se esse «destino, mas sem margem para lhe fugir» de que fala Jorge Molder (então diretor do CAMJAP) no seu texto de apresentação do catálogo de exposição (Susana Anágua. Desnorte, 2008, p. 5).

Nessa mesma edição, Leonor Nazaré, que assina o comissariado, publica o texto «Azimute», ramificando as temáticas fortes da exposição e dando coordenadas para o diálogo entre os tópicos agora levantados e a produção anterior de Anágua (Ibid., pp. 6-13). A própria artista também publica um breve texto narrando uma experiência de desnorte geográfico durante a residência artística em Taliscas, Odemira (Ibid., pp. 22-23), iniciativa associada à plataforma virtual SiteXcape, que também foi apresentada no catálogo por Natércia Caneira (Ibid., p. 24).

Os ecos de «Desnorte» na imprensa cultural incluem uma breve resenha de Susana Pomba à exposição («O Norte não está perdido», Artes & Leilões, n.º 10, set. 2008, pp. 60-61) e uma entrevista à artista para a revista Notícias Sábado (suplemento do Diário de Notícias, 2 ago. 2008).

Susana Anágua tem mantido uma atividade expositiva regular desde o final dos anos de 1990. A sua relação profissional com a FCG é anterior a esta primeira individual no CAMJAP. Em 2005, esteve entre os artistas selecionados para a quinta edição do ciclo «Sete Artistas ao Décimo Mês» (Galeria de Exposições Temporárias da Sede da FCG, piso 01, com curadoria de Leonor Nazaré). No mesmo ano em que apresentou «Desnorte», foi-lhe atribuída uma bolsa Gulbenkian para estudos de especialização no estrangeiro, apoiando o seu mestrado em artes digitais no Camberwell College of Arts, em Londres (Arquivos Gulbenkian, SBA 21582).

Concomitantemente à sua carreira artística e académica, o percurso desta autora junto da FCG envolve também a sua colaboração assídua, enquanto monitora do Setor Educativo do CAMJAP. Anágua tem concebido e desenvolvido imensas atividades no âmbito da arte contemporânea, para públicos das mais variadas faixas etárias. A sua atenção à componente pedagógica não é certamente dissociável de algumas das estratégias que animam as suas obras. Para esta sua primeira individual no CAMJAP, a artista aliou a sua condição de artista expositora à de monitora na oficina para crianças e famílias «Caminhos Desnorteados a Apontar para Todos os Lados». Desenvolveu-a em colaboração com Ana João Romana, que assegurou ainda três visitas gerais à exposição e três abordagens a obras específicas integradas no ciclo «Encontros Imediatos» (Susana Anágua. Desnorte [Folha de sala], Arquivos Gulbenkian, CAM 00561).

Daniel Peres, 2019


Ficha Técnica


Artistas / Participantes


Coleção Gulbenkian

Polar

Susana Anágua (1976-)

Polar, 2008 / Inv. 09E1575

Polar

Susana Anágua (1976-)

Polar, 2008 / Inv. 09E1575


Eventos Paralelos

Visita(s) guiada(s)

[Susana Anágua. Desnorte]

jul 2008 – out 2008
Fundação Calouste Gulbenkian / Centro de Arte Moderna
Lisboa, Portugal
Visita(s) guiada(s)

Encontros Imediatos

jul 2008 – out 2008
Fundação Calouste Gulbenkian / Centro de Arte Moderna
Lisboa, Portugal

Publicações


Material Gráfico


Fotografias

Teresa Gouveia (à esq.), Emílio Rui Vilar (ao centro) e Susana Anágua (à dir.)
Leonor Nazaré (à frente, à dir.) e Susana Anágua (à frente, à esq.)
Teresa Gouveia (à esq.), Leonor Nazaré (atrás, à esq.), Emílio Rui Vilar (ao centro), Susana Anágua (ao centro, à dir) e Jorge Molder (à dir.)
João Pinharanda (à esq.) e Catarina Alfaro (à dir.)
João Pinharanda (à dir.)

Periódicos


Fontes Arquivísticas

Arquivos Gulbenkian (Centro de Arte Moderna), Lisboa / CAM 00561

Pasta referente à produção da exposição «Susana Anágua. Desnorte». Contém ofícios internos; orçamentos respeitantes à impressão de material gráfico e catálogo de exposição; fotocópias da versão portuguesa e da versão inglesa da folha de sala; recortes de imprensa. 2008 – 2008

Arquivos Gulbenkian (Centro de Arte Moderna), Lisboa / CAM 00561

Pasta referente à aquisição da obra «Polar» (2008), de Susana Anágua (Inv. 09E1575). A Fundação Calouste Gulbenkian adquiriu a peça após a sua apresentação na exposição individual Desnorte, realizada no centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão entre julho e outubro de 2008. 2009 – 2009

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 10570

Coleção fotográfica, cor: inauguração (FCG-CAMJAP, Lisboa) 2008

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 10571

Coleção fotográfica, cor: aspetos (FCG-CAMJAP, Lisboa) 2008


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