Exposição temporária de trabalhos sobre papel de Ana Hatherly (1929-2015), organizada pelo Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão (CAMJAP), em parceria com o Centre Culturel Calouste Gulbenkian e comissariada por Ana Vasconcelos. Foi programada por João Pedro Garcia, diretor do Serviço Internacional da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) e Jorge Molder, diretor do CAMJAP, e esteve aberta ao público no Centre Culturel Calouste Gulbenkian, em Paris, de 6 de outubro a 15 de dezembro de 2005.

A mostra incluiu um núcleo muito variado de trabalhos de um período de grande experimentação na prática artística de Hatherly: autorretratos, retratos inventados, algumas Métamorphoses de la Grenade, de 1971, a série Les Rues de Lisbonne, colagens realizadas em 1977, e obras de poesia concreta e visual. Anteriormente, no início de 2005, este núcleo de obras fora apresentado no CAMJAP, na área de exposições rotativas do piso 0, também com o comissariado de Ana de Vasconcelos: «Ana Hatherly. Desenho e Pintura sobre Papel, Anos 60 e 70». Algumas das obras tinham já sido apresentadas também em Paris, no Centre Culturel Calouste Gulbenkian (CCCG), aquando da mostra realizada em 1990 e intitulada «Concreta. Experimental. Visual. Poesia Portuguesa, 1959-1989», que juntou nomes como E. M. de Melo e Castro, Salette Tavares e Alberto Pimenta. Essa exposição levou pela primeira vez a Paris um período de trinta anos de poesia visual, desde o surgimento da poesia concreta em Portugal, no final dos anos 50, à sua abertura ao Movimento da Poesia Experimental.

Por outro lado, na exposição que aqui nos ocupa foram apresentados trabalhos nunca antes expostos, de pequenas dimensões, realizados nas décadas de 1960 e 1970, e que revelavam uma faceta desconhecida da obra de Ana Hatherly: a assimilação da cultura visual pós-pop e dos experimentalismos que tiveram lugar no seio do concretismo. Destes, fizeram parte trabalhos vigorosamente coloridos, produzidos sem o objetivo de serem expostos, doados pela artista ao CAMJAP em 1991 e caracterizados por Hatherly como campos de experimentação do modo de representar os pontos em comum que existem entre a imagem, a cor e a escrita.

Outros trabalhos, como as colagens Les Rues de Lisbonne, refletiam o entendimento da criatividade como mecanismo ético e lúdico e faziam um retrato das ruas de Lisboa no pós-25 de Abril de 1974, conferindo a esta exposição uma componente política cara à produção artística portuguesa dos anos 60 e 70 do século XX.

O catálogo da exposição, editado pelo CCCG, apresenta reproduções das obras expostas e uma entrevista à artista conduzida por Ana Vasconcelos. Nesta, são reveladas várias pistas importantes para a compreensão da sua obra, como a utilização da escrita com um intuito essencialmente visual, o que explica a renúncia à sua legibilidade e o seu movimento contrário ao impulso imediato do público.

A exposição, que a artista denominou como «antologia», acompanhou a passagem de uma prática artística de exploração intensa das cores para um conjunto de trabalhos onde os tons utilizados se resumiam ao preto e branco, marcando o seu regresso às origens e aos estudos da caligrafia oriental, mas também tornando-se uma forma de desafio a si mesma: «Malgré le fait que je pouvais travailler la couleur très aisément, je savais qu'il est beaucoup plus difficile de créer un univers communicatif, expressif et attirant en noir et blanc qu'en couleurs. Et ça, c'était un défi qui m'attirait.» (Ana Hatherly. Dessins, Collages et Papiers Peints, 2005, p. 12)

Também a realização dos retratos inventados em desenhos de pequeno formato fez parte das necessidades de experimentação e desafio da artista, que se definia como «une vraie expérimentatrice; je fais des expériences tout le temps. Quand je réalise des séries et qu'elles sont terminées, je ne les répète pas» (Ibid., p. 13).

A exposição e a publicação foram, na opinião de João Pedro Garcia, a oportunidade ideal para, num momento de transição entre datas, se festejar o quadragésimo aniversário do CCCG, que teve lugar em maio de 2005, e o quinquagésimo aniversário da FCG, a julho de 2006, chamando a atenção para as duas áreas privilegiadas pela Delegação em França: a arte e a literatura.

Esta ponte entre as artes visuais e a escrita é, aliás, algo que define o trabalho de Ana Hatherly quando descrito pela própria: «Mon travaille part de l'écriture, je suis un écrivain qui dérive vers les arts visuels à travers l'expérimentation du langage» (Ibid., p. 5).

No dia da inauguração da exposição foi realizado um debate sobre a obra plástica e literária de Ana Hatherly, conduzido pela comissária, Catherine Dumas, docente de língua e literatura portuguesas da Sorbonne Nouvelle Paris-III, e por Patrick Quillier, poeta e docente de literatura comparada na Universidade de Nice.

Carolina Gouveia Matias, 2019