«Nós não afirmaremos que uma árvore é uma obra de arte. Nós apenas diremos que poderemos tomá-la e transformá-la em obra de arte.»*
Estas palavras de Alberto Carneiro são clarificadoras do modo como devemos entender Uma Floresta para os Teus Sonhos. Refira-se que o autor foi pioneiro em termos mundiais no uso do conceito de arte ecológica aplicado ao fazer artístico. A escrita assume um papel importante no percurso do artista, não só enquanto dimensão confessional ou de texto revelador sobre as suas intenções artísticas, mas também como matéria-prima da obra plástica.** Mas na sua obra, o ecológico não é um discurso ou conhecimento sobre os seres vivos ou o ambiente físico e biológico em que vivem, nem tão pouco é uma arte da terra ou uma geoarte – expressão que seria uma tradução limitadora do inglês Land Art – mas antes uma arte que é uma comunhão, uma integração da terra enquanto algo de sensorial e fundante da humanidade, como o título deste trabalho de algum modo torna claro.
Esta é uma instalação, ou, como diria Carneiro, uma escultura natural ou um envolvimento, que é realizada pelo autor quando regressa de Londres, após completar a pós-graduação na Saint Martin’s School (1968-70), sob a direcção de Anthony Caro e Phillip King; e é de referir que quando o artista chega a essa escola de referência, Hamish Fulton e Richard Long, que se tornariam referências incon tornáveis da Land Art, estão de saída como alunos. Mas o que se torna muito claro em confronto com esses autores, é o facto de Alberto Carneiro criar uma linguagem própria e um estar na vida e na arte de um modo único e irredutível a escolas e autores. Em Carneiro, a natureza não é propriamente algo de distante e a sua obra não resulta do desejo do homem urbano de entrar em contacto directo com os elementos primordiais, procurando uma ligação mística e religiosa, um religar que a vivência citadina aparentemente afasta. Ao invés de um conceito, a natureza é o lugar primeiro a partir do qual os outros lugares acontecem, não surge como representação, mas como presentificação.
Presentificação e transposição, porque os elementos naturais são transportados ou transferidos para o espaço da arte – a galeria ou o museu – tal e qual, ou seja, abandona-se de vez a representação: um tronco de árvore não é dado a ver através do desenho ou de uma fotografia, mas é um tronco de árvore ele mesmo que é mostrado, como em Uma Floresta para os Teus Sonhos, em que 200 troncos de árvores de diferentes dimensões e alturas podem não só ser contemplados, como atravessados ou tocados. Facilmente se compreende por que é que o artista prefere ainda hoje o termo envolvimento ao de instalação, atendendo a que o que procura é uma imersão total na obra e que ela chegue aos sentidos do corpo do espectador, desde a visão até ao tacto, passando pelo cheiro. Nesta “floresta”, Alberto Carneiro convida-nos a um contacto directo: apresenta e não representa.
Isabel Carlos
Maio de 2010
* Alberto Carneiro, "Notas para Um Manifesto de Arte Ecológica", Dezembro, 1968 – Fevereiro, 1972, in Alberto Carneiro, Lisboa / Porto, CAM – Fundação Calouste Gulbenkian / Fundação de Serralves, 1991, p. 62
** Refira-se, a título de exemplo, a obra Os sete rituais estéticos sobre um feixe de vime na paisagem, de 1975, que pertence igualmente ao acervo do CAM.