Alberto Carneiro

São Mamede, Portugal, 1937 – Porto, Portugal, 2017

Alberto Carneiro nasceu em S. Mamede de Coronado, concelho de Trofa, Minho. A actividade agrícola e a proximidade com a terra influenciou a sua vida e obra. Como o próprio afirma: “a minha formação, as minhas convicções estão ligadas a todo o mundo da minha infância […] tive que inventar quase tudo de que precisava; […] a partir dos materiais da terra, construir o mundo nela, compreendê-la ludicamente por dentro e estruturar, assim, um esquema corporal que foi sendo, cada vez mais, a imagem das coisas da natureza”.

Com dez anos apenas iniciou-se na actividade de santeiro numa oficina local e aí trabalhou até aos vinte e um anos; também esta experiência o viria a marcar profundamente: “[…] dez anos de contacto directo com a matéria da árvore ou da montanha, que me permitiu um entendimento dos meios tecnológicos, pela osmose da pele, para um domínio natural dos materiais e a partir do qual eu pude chegar a formular a consciência de que tudo isso se agrega no meu trabalho como necessidade de comunicação estética”.

Entre 1954 e 1960 estudou escultura na Escola de Artes Decorativas Soares dos Reis, no Porto, entrando no ano seguinte, com uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian, na Escola Superior de Belas Artes do Porto, curso de Escultura, que viria a concluir com distinção, em 1967. Logo nesse ano, ainda na ESBAP, realizou a sua primeira exposição individual, Homenagem ao autor da Vénus de Willendorf, apresentando um conjunto de esculturas em madeira, pedra e gesso, e desenhos. Esta primeira apresentação pública dos seus trabalhos foi um momento privilegiado de auto-reflexão sobre a criação artística e sobre a sua relação com as coisas da terra, afirmando a partir de então uma forte identidade estética entre corpo e natureza. No ano seguinte ganhou o Prémio Nacional de Escultura, e ainda como bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian, partiu para Londres, onde realizará o Advanced Course in Sculpture da St. Martin’s School of Art, que conclui em 1970.

De regresso a Portugal, leccionou no Círculo de Artes Plásticas de Coimbra (1972-1985), na Escola Superior de Belas Artes e na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto. Estudou Psicologia Profunda, Zen, Tantra e Tao para melhor conhecer o sentido da profunda relação entre o corpo, o espírito, a natureza e a criação artística; a descoberta, em 1965, da obra de Gaston Bachelard sobre a poética da matéria foi essencial para a sua consciência teórica e para os seus processos criativos: “Entre o meu corpo e a terra houve sempre uma identidade profunda. A floresta ou a montanha que eu trabalho num tronco de árvore ou num bloco de pedra fazem parte integrante do meu ser. O meu trabalho é uma apropriação totalizadora da matéria recriada a dois níveis: o da posse bruta através do furor essencial dos sentidos e o da posse mental pela necessidade de me reencontrar nas raízes de mim mesmo.”

 

Em Londres, onde foi aluno de Anthony Caro e Philip King, entre outros, estruturou a sua obra a partir das suas vivências e da relação estética com a natureza iniciando os projectos que constituem o Caderno Preto e as Notas para um manifesto de arte ecológica, publicados em 1971. As obras deste período utilizam materiais naturais – como vime, madeira, ardósia – trabalhados e articulados de modo a suscitarem uma percepção estética global, com apelo a todos os sentidos do espectador que, nalguns casos, participa nas próprias obras, enquanto espaços interpenetráveis.

Em 1969 participou na Bienal de Paris e em 1970 criou Uma floresta para os teus sonhos que apresenta na Galeria Buchholz, em Lisboa. Entre 1971 e 1975, trabalhou sobretudo num conjunto de obras que fazem apelo a uma relação recíproca entre obra e espectador ao mesmo tempo que concebeu a obra efémera Um campo depois da colheita para deleite estético do nosso corpo, que apresentou na retrospectiva no Museu Soares dos Reis, no Porto, e que o representará na Bienal de S. Paulo, de 1977. Em 1976 participou na Bienal de Veneza. Neste período investiga os diferentes procedimentos práticos sobre o amanho da terra e a sua tradução estética, o que o leva a percorrer o país regularmente. Em 1977 participou na Alternativa Zero, exposição organizada por Ernesto de Sousa, e viajou pelo Brasil, fotografando aspectos naturais. Prossegue sempre um trabalho de integração de corpo e natureza, cimentando uma obra que se caracterizou desde muito cedo por uma grande estabilidade de valores simultaneamente poéticos e conceptuais: à pedra e à madeira, acresce o ferro, o bronze, o vidro, o barro, a fotografia, o desenho e os elementos naturais de que não prescinde; às clássicas técnicas escultóricas, junta outras linguagens – a escrita, a incisão, a instalação sonora, as impressões olfactivas. E a esta constante busca associa uma permanente reflexão escrita sobre o seu trabalho e sobre o acto criativo – “aforismos” e “notas para um diário” são recorrentes nos seus catálogos e livros de artista.

No início da década de 80 expõe em Bolonha e em Turim e cria O Corpo Subtil apresentado na Galeria Quadrum, em Lisboa, e que constitui um momento de viragem da sua obra, assente numa presença ainda mais intensa do pensamento oriental: são oitenta e quatro “aforismos” que decorrem ou significam os doze caminhos percorridos pelo seu trabalho – terra, vida, espaço, água, corpo, arte, labirinto, árvore, ar, morte, tempo e fogo – e que se constitui como uma obra-programa, resultado de tudo o que a precede mas também ponto de partida para um conjunto de obras que se lhe sucede.

Em 1985 é-lhe atribuído o Prémio Nacional de Artes Plásticas pela AICA. Viaja pela Europa, Estados Unidos e Norte de África. Organiza, a partir desse ano, os Simpósios Internacionais de Escultura de Santo Tirso. Em 1991, o Centro de Arte Moderna da FCG e a Fundação de Serralves organizam a primeira exposição antológica da sua obra. Em 1992 e 1993 realiza duas instalações importantes no Porto e em Lisboa, respectivamente, para as Jornadas de Arte Contemporânea e para a inauguração do Centro Cultural de Belém. Entre 1993 e 1995 viaja pela Índia, China e Japão, tempo e espaço para novas meditações sobre as representações mandálicas e sobre as configurações e significado dos jardins. Em 2000 realiza uma exposição antológica no Museu Machado de Castro, em Coimbra, e participa na CIRCA 68, exposição inaugural do novo Museu de Serralves.

Em 2001 tem uma nova exposição antológica no Centro Galego de Arte Contemporânea, em Santiago de Compostela. Em 2004 recebe o Prémio Tabaqueira de Arte Pública e em 2005 o Prémio da Casa da Imprensa e, ainda neste ano, expõe Caminhos do Corpo sobre a Terra (1965-2004) no Centro Cultural de Cascais e no Museu Municipal Amadeu Souza Cardoso, em Amarante.

O pensamento filosófico, uma praxis alicerçada no Budismo Zen, no Tantrismo e no Taoismo, a escrita como extensão da obra construída, a origem da arte na natureza e a natureza como “polarizadora dos nossos sentimentos estéticos”, a noção de “corpo subtil” ou a aproximação do corpo cósmico e a presença recorrente da “árvore” como uma segunda natureza transmutada em arte, são os eixos estruturantes da obra de Alberto Carneiro.

 

Mariana Gaspar

Atualização em 13 abril 2023

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