As peças desta série dedicada ao tempo do Circo apresentam-se como frames de uma sequência fílmica. Algures no topo da tenda circense tudo indica estar a decorrer um número de equilibrismo. Enquanto isso, outro número se desenrola ao nível do chão: uma outra artista de circo equilibra uma criança sobre a cabeça. Este número, menos impressionante pelo menor risco envolvido, é ignorado pelos presentes, que seguem o trabalho desenvolvido no ar pelo (suposto) equilibrista num misto de antecipação e medo. Esse medo é por vezes transposto para outros assuntos, como o da mãe, em primeiro plano, que, absorta de toda a actividade envolvente, e porventura mais preocupada com o que se passa na sua vida, aconchega ao peito o filho enquanto leva a mão esquerda ao queixo, com apreensão.

O dramatismo da cena, sublinhado pela solidão mais individualizada das duas personagens femininas — a artista e a mulher patente em primeiro plano — é especialmente enfatizado pela grande modulação do espaço de sombra, pela vaga presença das finas linhas de contorno que constituem as figuras, a que aguadas de cores surdas dão corpo. Na sua maioria suspensas na sombra, enquadradas pelo denso negro, que as vai progressivamente tornando vestigiais, as figuras entregam-se ao desvanecimento. As linhas curvas dos corpos operam forças diagonais na composição acentuando a sensação de instabilidade e suspense; de fragilidade e entrega. Na zona de luz, as personagens circenses, apagadas pela intensidade do branco, reduzem-se também elas a simples linhas de contorno, tornando-se igualmente vagas presenças com tímidas sombras sob os seus pés, irmanando-se no apagamento e salientando a tensão da imagem na expectativa e angústia que se sente nos corpos e nos rostos dos espectadores, com as mãos num movimento sustido entre o peito e o queixo.

Emília Ferreira

Março de 2013