- Papel
- Tinta-da-china
- Inv. DP1348
Manuel Mendes (Manoel)
s/título
Menos conhecido enquanto desenhador do que como colecionador, crítico e divulgador da ilustração em Portugal, Manuel Mendes deixou centenas de desenhos que nunca tiveram qualquer mostra pública representativa, nem foram estudados. Geralmente de pequena dimensão, a tinta-da-china, e executados ao longo dos anos de 1920 e 30, os desenhos compartilham a mesma preocupação social que animava a sua atividade literária e escultórica, apesar de não terem passado de exercícios informais e de circunstância, que oferecia aos seus amigos, ou submetia a concursos artísticos.
Este desenho foge, todavia, à galeria de personagens neorrealistas que costumam povoar as suas composições, optando pelo dueto mais conhecido da commedia dell’arte, Pierrot e Arlequim, um tema popular entre a pintura modernista, e de ampla expressão na ilustração portuguesa dos anos de 1920. Mantendo a iconografia convencional das figuras, Manuel Mendes procura uma equivalência formal para o enigma moral que ambas representam de modo tragicómico, numa figuração elegante que salienta da expressividade dos figurinos e poses. Pierrot, o mimo sonhador que sofre mas nunca alcança, é o símbolo da idealidade, vestindo as tradicionais roupas brancas e largas, impoluto e quase irreal, surge escondido atrás do Arlequim que, tomando a dianteira como protagonista principal da cena dramática, ícone da materialidade, enverga, sob um chapéu de coco de pena emplumada, o exuberante traje de retalhos em losango.
Contrariando a acusação de ingénuo amadorismo que Manuel Mendes dirigia às suas próprias criações, o desenho estilizado é uma convincente variação do tema secular, em sintonia com a leitura moralista da fábula pelo amigo Almada Negreiros – e que a ela se dedica também, na pintura e no desenho, desde 1915 –, escrevendo na sua popular interpretação que, no caso de Pierrot, “nenhuma cor da realidade se digna a convencer-nos de que há efectivamente uma vida ali naquele retalho branco. Pelo contrário, Arlequim usa o maillot (feito de trinta e sete mil pedaços de trinta e sete mil cores) esticado por cima da pele e mostra bem o feitio do corpo, a inquietação dos nervos, a impaciência dos músculos e o frenesi animal. (…) Pierrot é a inspiração e Arlequim a experiência – os dois não existem separadamente. ”*
* Almada Negreiros, “Pierrot e Arlequim”, Obras completas: Teatro, Vol. VII, Lisboa: INCM, 1993, p.51.
Afonso Ramos
Abril de 2013
Tipo | Valor | Unidades | Parte |
Altura | 26,7 | cm | |
Largura | 21,2 | cm |
Tipo | Doação |
Data | Novembro de 1989 |