Manuel Mendes (Manoel)

1906 – 1969

Manuel Joaquim Mendes nasceu em Lisboa. Historicamente lembrado pela militância política antifascista, o legado deste intelectual oposicionista, integrado na Seara Nova, alcançou notoriedade pública pela obra de jornalista, romancista, contista e ensaísta, e pela criação de grupos de resistência, cidadania e defesa de artistas. A clandestinidade e as prisões políticas que resultaram desta articulação do combate político com a produção literária ofuscaram, porém, a importância do seu envolvimento inicial com a escultura e o desenho, mantidos de modo irregular, e do papel pioneiro como crítico e teórico da arte plástica moderna em Portugal. Apesar da pouca visibilidade de ambas as facetas, Manuel Mendes foi uma figura central para toda a geração de artes e de letras, que tinham em sua casa ponto de encontro habitual ('o amador de artes plásticas e o amigo de artistas,' batizou-o Abel Manta), e os quais sempre se empenhou a divulgar, defender e colecionar. 

Morreu em Lisboa. Em 1977, a Casa-Museu Manuel Mendes foi instituída e o Estado português adquiriu o seu espólio, hoje à guarda do Museu do Chiado.

Manuel Mendes era aluno do Curso Histórico-Filosófico na Faculdade de Letras de Lisboa, quando iniciou a ação política contra o Estado Novo, participando nas greves académicas (1928-31) e recusando entregar as provas finais em protesto. Desponta também então um ‘deslumbramento pelas artes plásticas’, levando-o a frequentar oficinas artísticas em Lisboa, como a de Columbano, onde se dedica à escultura, sobretudo a modelação em barro, e à produção de pequenos desenhos. Apesar de nunca abandonar a criação, jamais se considerará artista, descrevendo-se a si como amador, e às suas obras como ‘apontamentos de ocasião despreocupados e simples, por vezes rudes e esboçados como reflexão de circunstância’.* Porém, a qualidade da produção nos anos  de 1930 contradi-lo, mesmo ao tempo de atribulações políticas que o levam a integrar a Frente Popular na Guerra Civil de Espanha e a travar combates ideológicos com os membros da Seara Nova a que estava ligado. Entre inúmeras encomendas de bustos de figuras oficiais da vida lisboeta, e uma entrada no II Salão dos Independentes (1931), foi autor de figurinhas regionais, pintadas por Maria Keil, escolhidas para o Pavilhão de Portugal na Exposição de Nova Iorque (1939), e da Cabeça de Pescador em gesso policromado, cujo modelo teve destaque na secção Vida Popular da Exposição do Mundo Português (1940).

 

Embora ainda concorra, na década seguinte, às Exposições Gerais de Artes Plásticas (1946-47), a criação escultórica, ‘paixão porventura ilícita’, cede nesses anos lugar à escrita, doravante a ocupação principal, publicando vários estudos biográficos, traduções, prefácios e comentários a edições históricas e a livros de amigos, e a uma série de discursos sobre a arte moderna. Esta intervenção teórica e crítica, invulgar entre os artistas de então, foi reunida nos volumes Considerações sobre as Artes Plásticas (1944) e Lembranças de um amador de escultura (1955), e deu lugar a monografias de divulgação de artistas contemporâneos, tomando posições pioneiras na defesa da cultura e na luta por uma nova crítica de arte, desenvolvida como disciplina e livre de tiques literários: ‘Mas que fazer? Quando são poucas e magras as artes, não poderão ser muitos e gordos os críticos.’**

 

No final da década de 40, associado à fundação de partidos (MUD e MUNAF), Manuel Mendes é repetidamente preso pela PIDE. Dedica-se à ficção neorrealista, como romancista da vida quotidiana [trilogia Bairro (1945, 58, 60), Pedro (1953), Alvorada (1955)], contista [Estrada (1952), O Viajante (1956), História Natural (1968), Assombros (1962)], cronista [Roteiro Sentimental (1964-67)], panfletista clandestino e jornalista reputado (p. ex. Seara Nova, Vértice, O Século, O Primeiro de Janeiro, A Capital, A República), militando por reformas sociais e políticas pela cultura, enquanto encabeçava campanhas públicas de defesa de Aquilino Ribeiro ou António Botto, e assumia um papel dirigente na Acção Socialista Portuguesa, mais tarde o atual Partido Socialista. Em 1960, Manuel Mendes recebeu o Prémio Rodrigues Sampaio, atribuído pela Associação de Jornalistas e Homens de Letras.

 

Frequentador assíduo d’A Brasileira, e outras tertúlias políticas e literárias, a casa de Manuel Mendes tornou-se um lugar de abrigo para escritores e artistas (‘espécie de rato de atelier e companheiro de cavaco desta gente,’*** descreveu), numa intimidade que o levou a acumular vários manuscritos originais e uma rica troca epistolar com as principais figuras da intelectualidade portuguesa (hoje na Fundação Mário Soares, em Lisboa), juntando igualmente uma notável coleção de pintura portuguesa contemporânea (além de ser representado por Barata Feyo, Abel Manta, Dordio Gomes, Mário Eloy, Sarah Affonso) que o Estado português adquiriu oito anos após a sua morte, cuja integração no Museu do Chiado (1997) deu lugar a uma exposição (2000) que revisitou e homenageou o seu percurso.

 

 

 

* Manuel Mendes, Lembranças de um amador de escultura, Lisboa, s.n., 1955, p. 10.

 

** Manuel Mendes, Considerações Sôbre as Artes Plásticas, Lisboa: Seara Nova, 1944, p. 163.

 

*** Idem, p. 10.

 

 

 

 

Afonso Ramos

Abril 2013

Atualização em 10 março 2016

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