• 1999
  • Papel
  • Água-forte
  • Inv. GP1810

Paula Rego

S/ Título n.º 1

A origem desta série sem título, de 1999, encontra-se numa gravura chamada Wendy Song (1992) para a edição ilustrada de Peter Pan pela Cavalo de Ferro (Lisboa, 2005). Nessa imagem, a menina, convidada a desempenhar o papel de mãe na história original de J.M. Barrie, aparece grávida a mexer numa panela cheia de fetos. Observam-na outras crianças, que T.G. Rosenthal identificou como sendo também fetos: «a cor do sangue atravessa toda a imagem».*

 

O posterior desenvolvimento do tema do aborto clandestino numa série de pinturas a pastel e águas-fortes, em 1999, foi uma forma de Paula Rego contestar o elevado nível de abstenção registado em Portugal durante o primeiro referendo sobre o aborto em 1998. Lembrava-se a artista das mulheres pobres que na Ericeira lhe pediam dinheiro para abortarem e de outras que vagueavam na praia com as entranhas de fora. Não sendo costume de Paula Rego repetir nas gravuras as situações que pinta nos quadros, neste caso a proximidade dos dois tipos de trabalho teve por objetivo potenciar a sua divulgação. As gravuras foram assim transformadas numa espécie de instrumentos de propaganda, manifestos de defesa da despenalização do aborto, contra a hipocrisia, a injustiça e a tragédia evitáveis.

 

Os vários modelos aparecem sobretudo vestidas com fardas escolares inglesas, adquiridas nas lojas John Lewis. «Quando comecei a fazer isto, quando pedi à Lila [um dos modelos] para se pôr em cima da mesa e comecei a desenhá-la, só pensava na Slade, onde estudei durante os anos 50. Só pensava que a sua figura era como uma natureza morta ou algo de Euan Uglow [pintor inglês (1932-2000) famoso pelos seus nus e naturezas-mortas], e que eu estava a fazer um quadro para a Slade. Pode haver uma conexão com o tema, porque nessa altura na Slade toda a gente estava a fazer abortos.»**

 

A voluntária rudeza do traço reforça a violência destas imagens sem sangue. Apesar do sofrimento e da humilhação, as mulheres não surgem como vítimas e em algumas é possível encontrar uma expressão triunfal: o seu corpo pertence-lhes.

 

 

* Paula Rego: Obra Gráfica Completa. Lisboa: Cavalo de Ferro, 2005.

 

** Paula Rego. Madrid: Museo Nacional Reina Sofia, 2007.

 

 

 

Susana Neves

Maio 2010

 

 

 

Tal como nas gravuras Sem Título nº 3 e Sem Título nº 4, observamos um esquema compositivo predominantemente horizontal. Uma estrutura, que poderá ser uma cama, uma mesa ou uma maca, coberta com um lençol, serve de apoio a uma mulher sobre ela deitada, com as pernas afastadas, sustendo as coxas com as mãos, soerguendo a cabeça e voltando-a para o espectador.

 

Se comparada com as gravuras mencionadas, observamos como as opções de representação do espaço têm uma clara correspondência com as diversas expressões destas três mulheres (ou com os diferentes momentos de expressão que a mesma atravessa ao longo de um processo). Ao olhar absorto da mulher da gravura Sem Título nº 4, corresponde um fundo “vazio” e plano; à contracção de dor da mulher da gravura Sem Título nº 3, corresponde um fundo a traços convulsos; ao olhar desafiante, tenso e de enfrentamento da mulher da presente gravura, corresponde um fundo escuro, carregado e denso, traduzindo a sua robustez e inteireza.

 

Embora as expressões e momentos retratados ao longo da série sejam diversificados — dor, alheamento, tensão —, Paula Rego nunca expõe a fragilidade inerente, isto é, nunca permite que a fragilidade do momento as transforme em vítimas. São, sem excepção, mulheres fortes, que enfrentam uma consequência, mas com toda a dignidade.


Esta parece ser a única gravura da série em que a mulher olha mais directamente o espectador. E, ao fazê-lo, assumindo o controlo que uma decisão, recorda-nos as palavras da autora: “vemos que ela está a ser humilhada, mas que mesmo assim está triunfante, completamente triunfante. Portanto, estas não são imagens de vítimas.”*

 

Esta gravura parte de um pastel (Tríptico, 1998), mas apresenta um enquadramento mais cerrado. Afirma a autora que, enquanto o realizava, se apercebeu que aquelas raparigas pareciam “naturezas-mortas”: “Quando estava a fazer o primeiro tríptico, em que a rapariga está deitada em cima da mesa, olhei para aquilo e, de repente, pensei, ‘Meu Deus! Parece uma natureza-morta. Se ela não fosse uma rapariga, podia bem ser umas garrafas, ou qualquer coisa do género’”.** É a reivindicação dessa humanidade, sem sentimentalismos, que Paula Rego nos oferece.

 

 

* Entrevista de Paula Rego in T.G Rosenthal, Paula Rego. Obra Gráfica Completa, Vol. 1, Lisboa, Cavalo de Ferro/Jornal de Letras/Visão, 2005, p. 96

 

** Idem, p. 96

 

 

 

Luísa Cardoso

Julho 2014  

TipoValorUnidadesParte
Largura29,5cmmancha
Altura37,5cmpapel
Altura19,8cmmancha
Largura48,1cmpapel
Tipo assinatura
TextoPaula Rego
Posiçãofrente, canto inferior direito
Tipo n.º de série
Texto1/17
Posiçãofrente, canto inferior direito
TipoDoação
DataSetembro de 1999
1/150 Gravar e Multiplicar
Almada, Casa da Cerca - Centro de Arte Contemporânea, 2009
ISBN:9789728794583
Catálogo de exposição
TipoSelo
TextoCP
Posiçãofrente, canto inferior direito
NotasSerá que é a marca do papel?
Paula Rego - O crime do Padre Amaro e Untitled
CAMJAP/FCG
Curadoria: Jorge Molder (1947-)
18 de Maio de 1999 a 29 de Agosto de 1999
Galeria do Piso 1 do museu do CAM
Exposição programada por Jorge Molder.
Blink - Gravuras da Colecção do CAM
CAM/FCG
Curadoria: Ana Vasconcelos e Melo
2009-06-21 a 2009-09-27
Casa da Cultura Islâmica e Mediterrânica
Exposição de 55 gravuras de 26 artistas nacionais e internacionais da colecção CAM.
Atualização em 23 janeiro 2015

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