DEPOIMENTO DO ARTISTA

 

Sem Título (B.B.4) desenvolve propósitos poéticos construtivos que encontramos manifestos no conjunto da obra de Rui Sanches, desde os anos 80. Tomando como matéria-base a madeira e seus derivados (laminados, contraplacados, aglomerados…), o artista tem explorado conceitos associados ao comportamento físico daqueles materiais e o seu arranjo no espaço físico. O equilíbrio, o peso, a relação entre simetria e dissimetria, ou entre compressão e expansão, o contraponto entre a regularidade da geometria e a irregularidade das formas orgânicas, são trabalhados livremente a partir da constituição de corpos ou massas, por acumulação, sedimentação ou empilhamento, mormente de estratos ou segmentos de aglomerados, conforme se verifica nesta obra no tratamento sugestivo das três cabeças. Estas apresentam-se como conglomerados que tivessem sido esculpidos pela erosão, ou resultassem de um processo geológico de sedimentação móvel. Embora formalmente aplicadas sobre volumes em forma de pilar, as figuras não têm frente nem verso, mas são projectadas a partir de concavidades e de protuberâncias na própria madeira. Deste modo, o movimento é integrado como dimensão inerente às próprias peças, como uma cinética virtual sugerida na estática da própria matéria (a madeira, suas tessituras e placas de configurações orientadas).

 

A reconstrução de uma identidade antropomórfica genérica, não mimética, por um lado, e, por outro, a interrogação da prática histórica da arte e da escultura comemorativa – enfatizada, nesta obra, pelo recurso à muito convencional forma da cabeça sobre plinto alto – são aspectos que têm convergido na prática criativa de Rui Sanches, no diálogo permanente que o artista tem estabelecido com as formas telúricas ou orgânicas da Natureza, como com as formas geradas pela razão e pela imaginação humanas ao longo dos tempos.

 

Ana Filipa Candeias

 

Novembro de 2011