É a partir da memória dos espaços quotidianamente habitados, como sejam a casa ou o atelier, e das tensões criadas pela familiaridade aparente dos objectos neles contidos e que apenas casual e transitoriamente são tocados, que José Pedro Croft realiza uma série de esculturas com objectos acoplados em 1993. Esta obra foi uma das duas exibidas por ocasião da sua exposição monográfica realizada em 1994 pelo CAM, a partir da qual passou a integrar a colecção.
Nesta esfera branca de gesso sobre mesa de madeira inclinada, Croft preconiza, em conformidade geracional, uma crítica à ideia de monumento, categoria fundamental da tradição escultórica ocidental. Obedecendo a uma lógica compósita convencional, em que o pedestal (entenda-se a mesa como corpo/base/coluna de sustentação) suporta, eleva e nobilita a matéria esculpida (o gesso marcado pelo gesto ritmado da modelagem), a obra, no entanto, subverte a lógica gravitacional do conjunto, ao evocar a iminência da queda.
Suspenso que se encontra o frágil equilíbrio das forças direccionais dos corpos justapostos, em dramática competição espacial, o desmoronamento é inevitável. Cristalizando o momento prévio ao encontro da escultura com o chão, a obra contém o desejo desse encontro no anúncio inquieto da previsibilidade da queda. Fortemente arquitectónica, a peça sustenta provisórias relações de espaço, na fronteira projectada em luz e sombra na parede e questiona, na encenação da sua economia binária, o sentido da instalação. Contentor e conteúdo, os seus elementos negam e confirmam a qualidade escultórica dos próprios materiais. As suas características duais (orgânico e inorgânico, expressivo e inexpressivo, claro e escuro, velho e novo, figurativo e abstracto ou trivial e aurático) constituem paradoxos estruturais que harmonizam e ordenam a sua presença.
A eficácia minimal da esfera branca, depósito reflector de matéria lumínica, traduz-se na percepção de um tempo e de um espaço de envolvimento protegido, numa experiência emocional silenciosa e ritual. Sem retorno à extrema estranheza da experiência do fúnebre (característica em obras de Croft da década de 80), assiste-lhe uma austera sacralidade monumental.
Lígia Afonso
Maio de 2010