É assumida pelo autor como a primeira fotografia feita com a sua Flexaret, uma máquina barata de médio formato de fabrico checo, a partir de uma janela da sua casa na Rua do Sol ao Rato, em Lisboa.

Esta imagem não denuncia o universo fotográfico das composições e dos retratos pelos quais Lemos viria a ser conhecido. Antes pelo contrário, o autor alia-se à especificidade da fotografia, na sua função de representação da realidade, para anunciar a cidade e o espaço onde se cruzaria com a elite cultural portuguesa, ao mesmo tempo que inaugura o manuseamento da técnica fotográfica como meio de expressão que iria privilegiar, até à sua ida para o Brasil em 1953.

É formalmente uma fotografia de paisagem urbana que poderia ser apenas isso – uma memória pessoal de uma primeira imagem – mas que no entanto, ao ser deslocada dessa memória privada para um contexto autoral mais amplo, ganha novos significados que transcendem esse formalismo.

Lisboa foi o início e o epílogo da continuidade de uma aventura fotográfica consistente do autor. E foi sob o seu cenário que Lemos sonhou novos devires, inventou luzes e sombras, revelou certezas e ocultou anseios de uma maneira ímpar, até à altura em que, cerceada a sua liberdade, exilou-se voluntariamente para o outro lado do Atlântico, mais «com raiva do que saudade», no dizer do seu companheiro e amigo José-Augusto França.

Deste modo, esta é uma imagem de início mas também de fim, de anunciação e de despedida, de começo e de recomeço.

JO
Agosto de 2011