Helena Almeida afirma na sua obra uma espécie de litania: a minha pintura é o meu corpo, a minha obra é o meu corpo. É evidente o desejo de que a pintura e o desenho se tornem corpo, de que se anule a distância entre corpo e obra.
Mas simultaneamente pouco ficamos a saber sobre o seu corpo concreto. O corpo concreto e fisico da artista será constantemente despistado, desfigurado, ocultado pela mancha, que ora o prolonga, ora o derrama, ora «entra» ou «sai» dentro dele, ora se tapa, ora se mostra, como nesta espécie de cortina azul de pintura em que a mão pinta e depois agarra o pigmento. A cor azul é para a artista sinónimo de espaço e energia: «É uma mistura de azul-cobalto com azul-ultramarino. É o azul mais energético que eu consegui fazer e que simultaneamente associo com o espaço. Não podia ser vermelho, verde ou amarelo. Tinha que ser uma cor que tivesse a ver com estas duas ideias: energia e espaço.»*
A sua obra é um permanente aparecimento de uma imagem de mulher que se transforma em pintura ou desenho, que é pintura ela mesma. Do mesmo modo, a fotografia revela-se enquanto medium pois permite (e motiva) o uso de séries, de meta-narrativas, de pequenos momentos, alguns quase ficcionais, marcando os diversos «tempos» de um movimento.
A ideia de Flaubert de que a fotografia tornaria a pintura completamente obsoleta e que, por sua vez, o daguerreótipo ocuparia o lugar da pintura, é completamente desprezada na obra de Helena Almeida. A artista combina as técnicas de criação (manualmente cria o seu azul, mistura as cores; faz desenhos e colagens) com as técnicas de reprodução (a fotografia e o vídeo) contaminando a pureza modernista da separação das disciplinas.
Existe na sua obra um movimento permanente de ocultamento e desocultamento, um vaivém entre dar a ver e esconder; que é igualmente o movimento que vai da experiência individual ao carácter universal que toda a obra de arte deve perseguir.
Do minimalismo ao conceptualismo, da performance à fotografia, a obra de Helena Almeida lida com todos os grandes movimentos artísticos que marcaram a segunda metade do século XX. E fá-lo de um modo que nunca é epigonal, mas sempre profundamente inventivo e pessoal, uma vez que consegue criar um vocabulário e inventar um mundo, sem se desprender dos seus referentes. Aliás, a recorrência não só a séries como aos mesmos títulos-conceitos com que intitula as suas obras ao longo dos anos, confirma-o.
«Ando em círculo; os ciclos voltam. O trabalho nunca está completo, tem que se voltar a fazer. O que me interessa é sempre o mesmo: o espaço, a casa, o tecto, o canto, o chão; depois, o espaço físico da tela, mas o que eu quero é tratar de emoções. São maneiras de contar uma história.»**
Isabel Carlos
Novembro de 2010
* Helena Almeida em entrevista a Isabel Carlos, in Helena Almeida, Milano: Electa, 1998, p. 52.
** Helena Almeida, op.cit., p. 58.