Os anos 70 na produção de Paula Rego pautam-se por uma enorme heterogeneidade de linguagens e técnicas, parecendo pôr de lado as colagens e desenhos mais surrealizantes que caracterizam o decénio anterior — onde normalmente a historiografia artística destaca obras como Salazar a Vomitar a Pátria (1960) ou Cães de Barcelona (1965). Na passagem dos anos 60 para os anos 70, Paula Rego parece revisitar formas de representação mais tradicionais, explorando, através de diversas linguagens de desenho, uma representação mais convencional para um olhar modernista, porque mais próxima da mimésis. Obras tão distintas como os desenhos a tinta a china sobre papel intitulados Manuela à Janela (1967) e Passeio com o Avô (1970), ou os guaches sobre contos populares realizados entre 1974 e 1975 (e pertencentes à colecção do CAM) são disso prova.
A unir obras tão dispares está, porém, uma renovada atenção ao desenho. Quem observa os referidos guaches sobre os contos populares não poderá deixar de notar afinidades com a presente obra, intitulada O Ninho: o traço estrutura a forma, sendo por vezes a cor aplicada numa função de coloração dos espaços assim definidos. A economia na paleta cromática — fundo verde, ninho e, ao que parece, pássaros entre os rosas, laranja, vermelhos e preto — concorre para uma harmonização fácil de tons. Contudo, e contrariamente às restantes obras do período mencionadas, a artista volta aqui a recorrer à colagem: a estruturação da forma faz-se não só pelo desenho, como também pela composição de elementos previamente desenhados, coloridos e recortados sobre papel, que cola posteriormente à tela.
O carácter narrativo ou figurativo da obra não é à partida evidente. A sua leitura é sem dúvida condicionada pelo título que a autora lhe atribuiu, restringindo assim os seus significados. Com o olhar enformado pelo título podemos assim, eventualmente, discernir um ninho, do qual emergem duas cabeças de pequenos pássaros, ladeadas por formas verticais e diagonais, as quais tanto sugerem asas como uma parte do próprio ninho.
Que duvidemos da vocação mimética da obra em questão — ainda que a ela não resistamos pela sugestão do título — apenas revela a ambiguidade abstractizante da mesma, resultante do exercício de exploração formal sem preocupações de chegada definidas.
Luísa Cardoso
Julho 2014