Reproduzida na capa do desdobrável da primeira exposição individual de Paula Rego, na Sociedade Nacional de Belas Artes (SNBA) em Lisboa, Manifesto fez parte do conjunto de obras que suscitou as mais diversas reações do público nacional, desde o aplauso ao insulto. O pintor Eduardo Batarda recorda o embaraço dos artistas para quem o regime de repressão na época constituía um álibi ao seu próprio conformismo, e que viam em Paula Rego o talento capaz de ultrapassar quaisquer formas de censura. «É difícil lembrar isto actualmente, e ainda mais difícil exprimi-lo» – conta Eduardo Batarda a John McEwen, o biógrafo da pintora – «mas que repugnante que aquilo era para nós, artistas portugueses da época, quão revoltante para as nossas mentalidades reprimidas/repressivas. Até a maneira como ela pintava, o aspecto técnico, as próprias cores (as que estariam na moda no ano seguinte em Londres?) eram de uma novidade chocante. Havia tantas razões para o nosso ódio – e era ódio o que estávamos a sentir. Alguns de nós chamávamos-lhe admiração, o que é mentira, sem a mínima dúvida».
Segundo o pintor Victor Willing (1928-1988), marido da artista, Manifesto refletia a impossibilidade do pai de Paula Rego ter visto realizados os ideais políticos e sociais que defendera.* Se Paula Rego «pintava para dar face ao medo», como explicara ao seu amigo e poeta Alberto de Lacerda (1928-2007), autor do texto do desdobrável da exposição na SNBA, esse mesmo poder era uma liberdade incómoda para alguns visitantes. No dia da inauguração «um homem já meio bêbado» interpelou a artista: «Para quem vê estes quadros, uma pessoa diria que foram feitos por uma prostituta». Paula Rego respondeu calmamente: «Olhe que não; as prostitutas pintam igrejas».
* WILLING, Victor, «The imagiconography of Paula Rego», Coloquio/Artes, n°2. (Abril 1971), p. 43-49.
Susana Neves
Maio 2010