Em Mãe (Mother) Paula Rego retrata o protagonista de O Crime do Padre Amaro (1875), de Eça de Queirós, vestindo uma saia de xadrez, memória «das saias das mulheres de pescadores da Ericeira», onde a família da artista tinha uma quinta. No romance, o padre Amaro Vieira, orfão aos seis anos, foi adotado pela patroa de sua mãe, a Marquesa de Alegros. Enquanto as filhas da piedosa marquesa ocupavam o tempo com modas e caridade, o passivo Amaro, destinado a tornar-se padre por vontade da sua mãe adotiva, entretinha-se com as criadas que o vestiam de menina, o envolviam em intrigas e lhe ensinavam histórias de santas. Usando o polémico romance queirosiano – obra admirada pelo pai da artista numa época em que não era bem aceite – como «detonador de imagens», a pintora recria a mesma atmosfera de perversão e candura descrita pelo escritor, que já levara Antero de Quental a concluir: «Aquilo, no fundo, é uma pobre gente, uma boa gente, vítimas da confusão moral do meio de que nasceram, fazendo o mal inocentemente, em parte porque não entendem mais nem melhor, em parte porque os arrasta a paixão, o instinto, como pobres seres espontâneos, sem a menor transcendência.»
Patente na Dulwich Picture Gallery, em Londres, 1998, a série O Crime do Padre Amaro foi apresentada em conjunto com algumas obras do pintor espanhol Bartolomé Estéban Murillo (1618-1682), entre elas, «uma radiosa Madonna of the Rosary» e três quadros com crianças mendicantes, muito admirados por Paula Rego. Se para o mestre seiscentista «a beleza e a juventude» estavam sempre «ameaçadas pela decadência e pela morte», como afirma Desmond Shawe-Taylor, então director da Dulwich Picture Gallery, nas obras da artista portuguesa a violência pode ser exercida pelo mais dócil cordeiro.
Em 1999, o Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão apresentou O Crime do Padre Amaro em conjunto com Untitled, série subordinada ao tema do aborto. Um jovem visitante criticou Paula Rego por não ter dado às mulheres que tinham feito aborto um rosto monstruoso. Com a habitual benevolência, a pintora respondeu: «É que no dia seguinte elas têm de continuar a ir ao café».
Susana Neves
Maio 2010