António Soares e António Ferro foram, em campos diferentes, protagonistas da cultura portuguesa da primeira metade do século XX e, mais estritamente, da História da Arte em Portugal do mesmo período. Da sua relação próxima resulta um retrato notável de Ferro em 1920, a participação conjunta na renovação da revista Ilustração Portuguesa em 1921 e a escolha de António Soares como Prémio Columbano em 1935, logo no primeiro ano em que este é atribuído pelo Secretariado de Propaganda Nacional.
Este trabalho para a capa do romance A Leviana, publicado em 1921 por António Ferro, é, no entanto, a obra em que essa proximidade profissional pode ser verificada mais directamente. Resultado de um avanço mais generalizado do papel da mulher na sociedade ocidental levado a cabo após a Primeira Grande Guerra, o romance de Ferro era o retrato da nova mulher que circulava (ou se queria a circular) pelas Avenidas Novas de Lisboa e pelo Chiado, reflectindo a «situação mundana em que o modernismo se comprazia» e cujo outro lado se espelha em Nome de Guerra, de Almada Negreiros, segundo José-Augusto França.
A capa de Soares apresenta, assim, um rosto de mulher que ilustra a protagonista da novela, retratada com vitalidade e euforia pelo destaque da boca marcada a batom vermelho e pela exuberância do cabelo azul sob um chapéu de feltro verde, em tonalidades relativamente vibrantes, que contribuem eficazmente para o animar da composição.
ASR
Maio de 2010