Um auto-retrato é sempre uma forma de revelação que, sendo por definição do próprio, tanto espelha aquilo que é como codifica a sua presença em práticas operativas que se inscrevem em lógicas plásticas conceptuais, ou de subversão da própria representação.

Nos dois auto-retratos de Fernando Lemos (o outro é “Luz do Olhar”), é neste aquele em que a dimensão onírica e de encenação está mais presente e é mais evidente.

Partindo de uma leitura superficial, em que aparentemente da cabeça de Fernando Lemos sai uma nuvem de fumo em que flutua uma carta do Tarot, é nos detalhes, e na aproximação à imagem, que se descobrem outras realidades. A teatralidade de um rosto iluminado por um candeeiro seguro pelo próprio, o olhar que se desvia do observador, o fumo, que é uma “cabeleira” de lã de vidro, a lâmina de uma faca que surge ao lado da carta do Tarot (o Arcano XII do Tarot de Marselha – Le Pendu), ela própria com uma segunda imagem em espelho, o chão que serve de parede de fundo à imagem.

A fabricação desta imagem, que Lemos afirma gostaria de ter como fotografia de identificação no seu passaporte, só é possível na possibilidade que lhe assiste de realizar múltiplas exposições sobre o mesmo negativo, permitindo, deste modo, variadas leituras a partir destes elementos, não sendo de excluir o do sentido de sacrifício – tradicionalmente associado ao simbolismo da carta do Tarot escolhida por Lemos – ou, de uma maneira mais directamente associada à figura em si, e à situação de pendurada pelos pés, a de um país às avessas que politicamente condenava a elite cultural portuguesa a subterfúgios de leituras dissimuladas, tendo Lemos achado no surrealismo um modo particular de enunciar estas e outras questões.

JO