Encontramos nos escritores eleitos por Lapa para o seu grupo pessoal de afinidades uma atitude recorrente contra os modelos dominantes de representação, social ou cultural, mas também o apelo da viagem. Em Embarcação, apresentada na exposição Obras sobre Papel, no Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, em 1989, evoca-se a viagem e em particular a aventura marítima. Uma forma negra, idêntica a uma popa de navio, recorta-se sobre o branco. O negro de Lapa é necessariamente profundo, como realça José Gil, no texto A voz dos signos, publicado no catálogo dessa mesma exposição. No entanto, pode ter várias tonalidades, reveladas no contraste, intencionalmente brilhante e denso, na zona central do suporte. Uma mancha semelhante à que surge na sua obra Conta-gotas, de 1988, em que inscreve a palavra «Abismo». Essa mancha faz desaparecer as formas que o rodeiam; a quilha da embarcação transforma-se em vórtice, entrada para um mundo interior. Embarcação relaciona-se com outras aventuras marítimas, outras aventuras de descobrimento, efectuadas por Melville ou Céline, a viagem no espaço como projecção da viagem interior, a viagem mítica do artista.
AS