O Diabo Gato – Três Diabinhos Atados por um Cordel Branco parece recriar a atmosfera nocturna de uma floresta encantada: o predomínio de vermelhos e laranjas na representação da paisagem evoca um momento crepuscular ou nocturno, onde a economia de meios ao nível do desenho faz ressaltar o depurado das formas e a presença da cor.
Nesta unidade da paisagem, destaca-se, em primeiro plano, o grupo dos três diabinhos, cujo amarelo dos corpos lhes confere uma luminosidade própria. Com efeito, o contraste da elaboração das suas formas e da sua coloração com a comparativa depuração e homogeneidade cromática da paisagem tornam-nos o centro da composição.
Num plano intermédio, distinguimos uma personagem masculina, que espia a cena, alinhada cromaticamente, pelo roxo da sua indumentária, com as manchas de azul que pontuam esparsamente a composição. No conto em questão, refere-se à personagem que acolhe um gato em sua casa, sem saber tratar-se de um diabo, que introduz a discórdia na sua vida matrimonial. Porém, certo dia, a caminhar por pinhais, escuta três diabos a conversar, descobrindo então a identidade e estratégia do gato que acolhera. Como forma de quebrar o feitiço, o homem é aconselhado a atar um cordão ao gato, juntar-lhe um feixe de alecrim e lançar-lhe fogo, fechando-o numa divisão da casa.*
A reinterpretação de Paula Rego desta versão (recolhida por Leite de Vasconcellos) parece assim condensar dois momentos narrativos: o da descoberta da verdadeira identidade do gato (na floresta) e a estratégia do homem para afastar o diabo que acolhera (em casa). Mais uma vez, constatamos que a narrativa funciona apenas como um mote para a reinterpretação da autora: longe da ilustração, o que nos oferece é uma metamorfose do conto através da sua reflexão plástica.
* Ver José Leite de Vasconcellos (coligido), Contos Populares e Lendas, Coimbra, Universidade de Coimbra, 1963, p. 373
Luísa Cardoso
Julho 2014