Comédie faz par com Tragédie, também pertencente à colecção do CAM, e foram ambas apresentadas no prestigiado Salon d’ Automne de Paris, em 1926. O sujeito alegórico, muito simbolista, era habitualmente tratado de modo convencional, em contraste com o toque pessoalíssimo que Canto da Maia lhe dá, logo notado por um crítico francês que declarou «primeiro surpreende e depois seduz»*. De tamanho reduzido, a figura feminina de máscara na mão recupera a iconografia da musa grega da comédia e da poesia bucólica, Tália, uma duplicidade sugerida na sua expressão lírica e ridente. A inspiração helénica era para mais reafirmada na modelação arcaizante do corpo, muito ao gosto da época, num monólito sóbrio de bronze, com os cabelos e panejamentos esquematizados, em reminiscência do Período Arcaico da estatuária grega.
As linhas suaves e onduladas do contorno, a simplicidade das silhuetas, a pose elegante e o requinte do gesto revelam um gosto incipiente pela linguagem art déco em plena ascensão ao tempo. Canto da Maia encontrava-se perfeitamente sincronizado com as novas tendências artísticas impostas por Paris – cidade onde viveu a maior parte dos seus dias –, embora tenha conservado sempre um certo exotismo que era tido por característico dos portugueses.
Comédie é uma obra de maturidade, feita no ano em que o artista iniciou a sua carreira autónoma, e poucos meses antes de adoptar definitivamente o pseudónimo de Canto da Maia. Os seus trabalhos dessa época obtinham sucesso na capital francesa, com elogios da crítica e convites para colaborar com importantes vultos artísticos, como Mallet-Stevens ou Paul Follot. Contudo, o seu nome ficaria entre nós associado à sua participação nas grandes campanhas de estatuária oficial do Estado Novo, deificando os heróis da pátria, ela que por sua vez lhe retribuía com vários e muito merecidos galardões públicos.
Afonso Ramos
Maio de 2010
* Citado em Ernesto Canto da Maya: Sculpteur Portugais XXe Siècle: un sculpteur des Açores dans le Paris des années trente, Paris, Centre culturel Calouste Gulbenkian, 1995, p. 105.