Contrariamente ao Bispo Vermelho, nunca te amei.

 

E, no entanto, o teu modo de fisicamente seres também nasceu no aconchego desvelado do espaço geometricamente estruturado para habitares, como ele, a beleza sublime de um vazio-absoluto.

 

Mas tu és mais do que a tua fisicidade e usurpaste o azul, a mais espiritual das cores: e não a mereces.

 

Recordas-te, por certo, que a essência do que poderíeis ser buscaram-na, incansavelmente, os inúmeros e sucessivos desenhos que figuravam prelados de muitos e variados humores. Mas, bem o sabes, foi na contemplação da beleza teatral da iconografia religiosa que ambos germinaram. Sim, eu sei que me dirás, aristotelicamente, alardeando as tuas pretensões filosóficas, “que nada está no intelecto que não tenha passado primeiro pelos sentidos”.

 

Admitirás, talvez por isso, que também nunca foste desejado como mero registo passivo de um real ou simples fruto de uma perceção, mas, pelo contrário, formulação de mais do que um conceito: de um juízo.

 

Por isso, quando gradualmente foste emergindo do labirinto dessa geometria e, finalmente, a mim te revelaste assim, ironicamente ataviado com monóculo, luva de cabedal sustentando o báculo à maneira de pingalim, frente a um pão seco e egoistamente irrepartível, eu descobri em ti – ou estranhamente através de ti – o ícone dos meus pré-conceitos e dos meus pré-juízos.

 

E, então, decididamente comprovou-se o meu desamor por ti.

 

 

Jorge Pinheiro

S. Pedro do Estoril, 14/07/2012