Os contos tradicionais no percurso artístico de Paula Rego
Nos anos de 1960, a artista centra-se na versão mais erudita destas histórias, de feição mitológica, mas entre 1974 e 1975 aborda o tema com um conjunto de guaches que ilustram contos integrados nas antologias de Gonçalo Fernandes Trancoso e de Leite de Vasconcelos, nomeadamente Brancaflor, O Diabo do Gato, Os Dois Vizinhos e As Três Cabeças de Ouro.
Estas ilustrações destinavam-se inicialmente a uma publicação inglesa, da editora Jonathan Cape, que acabou por não ser editada.
A sua pesquisa sobre os contos populares prossegue entre 1976 e 1979 com o apoio de uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian.
Nos relatórios enviados à Fundação, Paula Rego inclui uma recolha exaustiva de ilustradores de contos populares, que acompanha de uma análise crítica, procurando «integrar contos eternos na nossa mitologia contemporânea e experiência subjetiva através da pintura»[1] e defendendo o conto de fadas clássico como «o conto mais certo sobre [sic] o ponto de vista psicológico. Nesse género de conto, o bem e o mal estão nitidamente definidos mas constituindo um todo complexo e indivisível.»[2]
A atenção dada por Paula Rego a histórias centradas no percurso aventuroso de uma heroína, como Brancaflor, revelam que a artista parte de um ponto de vista pessoal, identificando-se com as suas personagens no confronto com acontecimentos nefastos, como aqueles que marcam a sua vida familiar em meados dos anos 1970, e no conflito com a sua dupla natureza, sexual e maternal.
A prática criativa e o imaginário pessoal de Paula Rego identificam, por isso, nestas histórias o seu correspondente literário. Por detrás da fantasia e do sobrenatural encontramos, tal como na obra da artista, histórias cruas e violentas que podemos relacionar com um percurso iniciático.
Paula Rego, enquanto mulher, revê nos desafios narrados a sua própria experiência criando assim um imaginário íntimo que a ajuda a enfrentar os desafios do presente.
Para uma análise mais detalhada sobre o trabalho de Paula Rego e os contos tradicionais consultar o catálogo Paula Rego: Contos tradicionais e contos de fadas.[3]
[1] Candidatura de Paula Rego a uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian. Lisboa, 26 de abril de 1976. Arquivos Gulbenkian, SBA1392.
[2] Paula Rego, «Algumas origens dos Contos de Fadas», texto inserido no seu primeiro relatório enviado à Fundação Calouste Gulbenkian [Londres, julho de 1977]. Arquivos Gulbenkian, SBA3708.
[3] Cascais: Fundação D. Luís I: Casa das Histórias Paula Rego, 2018