O 25 de Abril em cinco obras da Coleção do CAM escolhidas pelo Conselho Consultivo Jovem
Nestes textos, algumas das pessoas que integram o Conselho Consultivo Jovem do CAM partilham os seus pensamentos e as suas emoções, refletindo sobre o que é, afinal, a Revolução para cinco jovens que todos os dias a vivem sem a terem vivido.
Ema Gonçalves
«A minha avó, uma de sete irmãos, começou a servir aos nove anos, com a 3ª classe feita em três meses. A mãe despedida da fábrica onde trabalhava por estar grávida, e o pai incapacitado vítima de um acidente laboral. Passou fome, emigrou, teve a campa de familiares partidas por associação ao comunismo e o primeiro voto foi no Álvaro Cunhal em memória e honra dos pais e de tudo o que viveu. Se eu estou aqui, uma mulher queer, estudante de doutoramento, é graças à democracia, à liberdade, aos cinquenta anos do 25 de Abril. Mas os pilares da paz, do pão, da habitação, da saúde e da educação continuam por alcançar – e não há casa que aguente sem uma boa estrutura. Há 50 deputados de extrema-direita no parlamento, direitos das mulheres e LGBT+ ameaçados, um genocídio em curso na Palestina…
A revolução, bem como a de Ana Hatherly, não é estática. Hoje celebro o 25 de Abril pela minha avó e por todes os que vieram com ela, mas luto pelo Abril que ficou por fazer, o Abril que nunca foi feito e o Abril que não foi ainda imaginado, por nós e por todes os que virão.»
Joel Moreira
«Minha família, nha manus, minha kamba, hau nia maun alin, nha ermons. Espero que se encontrem. Ensinem-nos a condição revolucionária. Ensinem-nos que, tal como um peixe que tenta sobreviver fora de água, ser revolução é asfixiante. É estar sempre em luto enquanto se luta contra a memória. Quando nos dizem que revolucionar é não ter outra opção? Que não é ato voluntário, mas um estado que parte da necessidade? Amar bhai, daju, mi phral. Espero que se encontrem. Contem-nos sobre todas as revoluções que vestem logo ao acordar. Todas as lutas invisíveis contra um discurso que vos desumaniza. Quando irão partilhar essa condição, para que ainda haja chance? Só assim podemos compreender que de nada serve monumentalizar o 25 de Abril, se o mesmo monumento não for flexível. Peço-vos que sejam o vento que sopra para longe a grande narrativa que erode a essência lutadora, que reduz o termo “revolução” a um mero instrumento vazio de significado, que tenta ver no passado uma fuga ao presente. Minha família, quando é que lhes dizemos que o dia 25 não foi o início, muito menos o fim, da nossa asfixia?
De um jovem preto, com saudades. Vemo-nos nas estrelas.»
Leonor Rosas
«Não foi uma suave transição para a democracia. Nem sequer um mero golpe de Estado. Chamem-lhe Revolução porque é isso que é. O ato criativo máximo – um poema que sai à rua. Esta palavra de R grande, quase cinquentenária, que encerra em si o sonho polifónico, construído a milhares de mãos, semeado nos campos coletivos, nas fábricas dos trabalhadores, nas mulheres indignadas e nos jovens que já não morreriam na guerra. Já não precisavam mais de rimar, de versos todos do mesmo tamanho e de métricas arrumadinhas. Na Revolução somos – sempre escrito na segunda pessoa do plural – a desarrumação das regras, o horizonte da esperança que abrimos com os movimentos dos nossos ombros, a figura cujos contornos deixam de ser nítidos porque todas as linhas saem para fora. Mesmo ao envelhecer, a palavra persiste atemorizando aqueles que a querem domesticada, longínqua, como um delírio juvenil irrepetível. Mas ela tem o dom do eterno rejuvenescimento. Ela é aquela ideia que nunca vai embora, a sua voz – ora baixinha, ora estridente – ecoa sempre ali no fundo da nossa nuca, onde escondemos as nossas esperanças. Ela é o assalto aos céus, a terra que treme, o dia inicial, a porta aberta, o triângulo vermelho que derrota o círculo branco. Ou se calhar não é nada disto. A Revolução nunca é o que dizem que ela é, mas sempre outra coisa qualquer. E essa coisa é que é linda.»
Leopoldina Fekayamãle
«AVANTE!
As revoluções indicam-nos sempre o olhar para frente, o caminhar com esperança e força para transformar presentes desiguais, contruir futuros equitativos e melhores para todas as pessoas. Nesse sentido, penso que a revolução e a arte casam perfeitamente. Quando olhei para esta obra de Ana Hatherly pensei “é isto, avante!” Temos de continuar e não desistir.
O 25 de Abril foi profundamente influenciado pelas lutas dos movimentos africanos de libertação do jugo colonial português, há uma interligação entre as reivindicações dos mesmos e dos cidadãos portugueses na altura da ditadura e a liberdade que veio a seguir, em ambos os casos, só foi possível porque as pessoas não desistiram, não cederam e acreditaram na mudança.
É isto que me parece ser uma das lições mais preciosas da revolução: não ceder e seguir na luta. Mesmo quando tudo à nossa volta parece indicar que não vale muito a pena continuar, mesmo quando vemos à nossa volta a extrema-direita a avançar, a Palestina a sangrar, o Congo em sofrimento, e muitos outros conflitos pelo mundo, precisamos reencontrar forças e não ceder. As revoluções que o nosso tempo exige só poderão ser feitas por nós de punho e cabeça e erguida. Avante!»
Vicente Megre
«Parto desta obra de João Abel Manta para uma reflexão acerca do que ainda faz “Prisioneiro!” a minha geração, 50 anos depois do 25 de abril.
Foi nos deixado um inalienável dever de ser livres, mas cabe-nos a nós forma correta de o ser.
Foi conquistada a liberdade de expressão, mas ficou esquecida a liberdade de não se exprimir.
Existe uma ânsia de ser livre que leva à polarização inevitável do expressionismo forçado.
E é nesta sobreposição de supostas liberdades individuais que nos aprisionamos uns aos outros, cancelando-nos mutuamente, por medo de pisar a liberdade de uma maioria.
Pesa-nos então esta mesma liberdade num mundo em que publicar se tornou aberto ao público, mas refletir profundamente ficou só para alguns.
O dinamismo do mundo atual fez do tempo a verdadeira arma de liberdade, o cravo de uma geração que se aborrece com vídeos de mais de 15 segundos e expressa opiniões tão rápido quanto consegue teclar.
Uma geração que quer demasiado e demasiado rápido, reféns de uma liberdade equivocada, prisioneiros de um tempo acelerado…»