Artistas Mulheres na Coleção Moderna
Novo percurso expositivo
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Data
- Encerra à Terça
Local
Coleção Moderna R. Dr. Nicolau Bettencourt, LisboaEsta proposta, que inclui mais de 100 obras, está organizada cronologicamente, de 1916 a 2018, e por tipologia, acompanhando os três pisos de exposição. No ano em que se assinalam os 50 anos das eleições legislativas de 1969 em Portugal, que permitiram pela primeira vez o voto sem restrições às mulheres, este percurso destaca o período anterior e posterior à Revolução de 25 de abril de 1974 através de artistas que de alguma forma combateram a política conservadora do Estado Novo. Paula Rego, Clara Menéres ou Ana Hatherly preconizam esta vontade nas suas obras.
Por outro lado, esta proposta de percurso expositivo faz parte das mudanças anuais da exposição da Coleção Moderna, que pretendem convidar o visitante a um novo olhar sobre a coleção. As obras expostas, que percorrem os séculos XX e XXI, são mais de 400, incluindo aquisições recentes de Ângela Ferreira ou Grada Kilomba e também obras de Mily Possoz ou Ofélia Marques, grande parte desconhecidas do público. Numa sala inteiramente dedicada aos seus desenhos e bordados, a artista Maria Antónia Siza, prematuramente desaparecida, é mostrada pela primeira vez em Lisboa na Fundação Calouste Gulbenkian.
Ilustrações para livros e revistas pertencentes à Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian, realizadas sobretudo nas décadas de 1920 e 1930 por artistas mulheres, são expostas na grande vitrina do piso inferior. Também pertencentes à Biblioteca, destacamos uma série de livros de artista de produção recente e de grande diversidade temática, desde o foto-livro ao livro de exposição, passando pelo livro mais matérico e serigrafado.
Com efeito, validando uma vontade urgente que o próprio meio artístico nacional impulsiona, o crescente número de obras de artistas mulheres que tem sido adquirido nos últimos anos para a Coleção Moderna do Museu Calouste Gulbenkian vem, deste modo, procurar destacar no acervo as artistas mulheres, incluindo jovens como Sara Bichão, Mariana Gomes, Ana Cardoso, Luísa Jacinto, entre outras.
Por fim, este percurso lança também pistas e propõe encontros tão diversos com temáticas que passam pela autorrepresentação, a representação da mulher e de crianças, a explosão da cor, a poesia visual, o corpo e a ausência.
VÍDEOS
Temas
Estado Novo, 1933-1974
Pós-1974
Pós-2000
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A I República, 1910-1933
Os primeiros anos do século XX decorrem num ambiente de inquietação e ruturas estéticas, marcadas em Portugal pela obra de Amadeo de Souza-Cardoso, o artista desta época mais representado na Coleção Moderna, com trabalhos produzidos até 1917. Em 1915, Sonia e Robert Delaunay chegam a Portugal, fugindo à I Guerra Mundial, e instalam-se no norte do país. A eles juntam-se Eduardo Viana, Amadeo e Almada Negreiros, o grupo de artistas que protagoniza o que pode ser considerado o início do modernismo em Portugal, logo após a proclamação da I República em 1910. Sonia Delaunay (1885-1979), durante o ano e meio que vive em Portugal, num contexto prolífero de criação artística, desenvolve os seus estudos sobre a cor e os círculos órficos.
Nos anos de 1920, os artistas vão dedicar-se à caricatura e à ilustração. De um modo geral, também as artistas mulheres se afirmam na ilustração quer de revistas da época, como a Panorama, aIlustraçãoou a Civilização, quer de livros, normalmente destinados ao público infantil. Destacamos, neste contexto, as artistas Mily Possoz (1888-1968) e Ofélia Marques (1902-1952).
Mily Possoz,que em 1905 vai estudar para Paris, prossegue a sua formação na Alemanha, passando também pela Holanda e Bélgica, regressando a Portugal alguns anos depois. O seu contacto com o meio artístico internacional permite-lhe criar cumplicidades plásticas com Foujita, o gravador japonês com quem partilha amizade e claras afinidades artísticas.
As obras de Mily Possoz, de influências citadinas e cosmopolitas, são criadas com recurso a diversas técnicas, revelando uma desenhadora perfecionista e uma especialista na arte de gravar, sobretudo na técnica da ponta-seca. De entre as artistas modernistas, é provavelmente a que mais expôs internacionalmente, além de falar várias línguas e gerir a divulgação e comercialização do seu trabalho.
Autodidata, Ofélia Marques dedica-se a ilustração de revistas, concentrando-se na esfera do privado e do íntimo. Pelo contrário, artistas como Almada Negreiros, Bernardo Marques ou António Soares representam a mulher urbana, frequentadora de cafés, o que, na realidade, era pouco comum. O conjunto de caricaturas de crianças imaginadas por Ofélia – personalidades com quem conviveu, provenientes de diferentes campos das artes, da literatura, da ciência e até da política – revela uma artista com humor. Em 1952, Ofélia suicida-se e a sua obra é apenas redescoberta décadas mais tarde.
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Estado Novo, 1933-1974
O regime do Estado Novo de Oliveira Salazar vigora durante 41 anos.
Denominados como a «década do silêncio» ou «os anos de chumbo», os anos de 1950 são o reflexo de um tempo ainda fechado e ligado à ditadura. Os trabalhos neorrealistas exploram as condições sociopolíticas que se vivem nesta altura. A Gravura – Sociedade Cooperativa de Gravadores Portugueses, constituída em 1956, fomenta a arte de gravar e aproxima-a, inicialmente, do neorrealismo vigente.
O grande debate em torno da abstração-figuração acontece nestes anos. É precisamente neste contexto que, no final dos anos de 1950, Maria Antónia Siza(1940-1973) contacta com artistas como Ângelo de Sousa ou Jorge Pinheiro, que trabalham a abstração. O universo singular da obra de Siza é mostrado neste percurso numa sala dedicada à artista, integrando bordados de pendor mais abstrato e uma série de desenhos produzidos durante a década de 1960, de caráter ora mais expressionista, ora mais surrealista.
A partir de 1961, a guerra colonial impulsiona a emigração de artistas portugueses para Paris e Londres, na maioria das vezes como bolseiros da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG). Este é o caso de Paula Rego,que vai estudar para a Slade School of Fine Art, em Londres, entre 1952 e 1956, e aí fixa residência a partir de 1963. Nesta altura, a artista alia técnicas mistas de pintura e colagem a mensagens políticas mordazes dirigidas às ditaduras portuguesa e espanhola, como em Retrato de Grimau.
A produção artística portuguesa dos anos de 1960 aproxima-se assim da arte internacional. Embora Londres seja nesta década o centro artístico de referência, em Portugal continua a ser evidente a influência de Paris, tanto ao nível da criação artística como ao nível da crítica de arte. Também nesta altura a FCG adquire, através do British Council, um conjunto de obras de arte britânica, quer popquer de cariz mais construtivista, como os relevos de Mary Martin(1907-1969) e Gillian Wise(1936), ou ainda obras de vigor gestual, como é o caso da pintura Unvisitedde Gillian Ayres(1930-2018), artista que pertence à nova geração de pintores abstratos ingleses dos anos de 1960.
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Pós-1974
Os anos de 1960 e 1970 ficam marcados pelos diferentes experimentalismos. Na produção artística, a interdisciplinaridade ganha força, destacando-se nomes como Maria José Oliveira (1943), Ana Vieira (1940-2016), Túlia Saldanha(1930-1988) ou Helena Almeida(1934-2018), que trabalham o tema do corpo, cuja presença ou ausência atribuem uma nova dimensão ao espaço de criação.
Helena Almeida é rapidamente reconhecida nacional e internacionalmente, começando na pintura, mas desenvolvendo também obras que vão do minimalismo ao conceptualismo, da performance à fotografia, transpondo todos os grandes movimentos artísticos que marcam a segunda metade do século XX.
Pintura Habitada, composta por catorze fotografias intervencionadas, e Corte Secretoaliam a autorrepresentação à mistura de técnicas, como a fotografia, a pintura, o cinema, a performanceou até mesmo a arquitetura.
O experimentalismo poético português, marcado pela descoberta da poesia visual e concreta internacional, leva um grupo de autores a escolher a designação de Poesia Experimental para definir o seu trabalho. Salette Tavares (1922-1994) e Ana Hatherly (1929-2015) evidenciam-se pela originalidade das suas obras. Salette cruza a produção literária e a prática artística, configurando um território duplamente contaminado, que se estendeu à poesia visual e à espacialização dessa poesia, através da criação de mobiles (ou poemas-instalações), como Bailia, que permitem uma exploração tridimensional.
Ana Hatherly desenvolve um trabalho muito ligado ao pós-25 de Abril de 1974, mas ainda no contexto da poesia visual. A colagem aqui expostafaz parte de um conjunto de nove painéis, com o título AsRuas de Lisboa, que a artista realiza em 1977: constituída por fragmentos de cartazes descolados das fachadas de Lisboa, com uma importante finalidade histórica, e não apenas artística, fixa a vida da cidade, assemelhando-se às propostas dos artistas do Nouveau réalisme francês.
Ainda na senda do período pós-revolucionário em Portugal, Emília Nadal (1938) cria trabalhos de cariz pop, numa interpretação muito própria. Slogan's é constituído por um conjunto de mais de cento e vinte latas em alumínio que evoca a nova sociedade de consumo, dos sloganse da acumulação.
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Pós-2000
No decorrer das duas primeiras décadas do século XXI, entra em cena uma geração de jovens artistas, que se distingue das anteriores pela formação académica – realizada ou complementada em instituições estrangeiras – e que posiciona de forma clara as suas práticas e as suas obras em contextos e circuitos expositivos internacionais. Por outro lado, artistas que se afirmaram nas duas décadas anteriores mantêm uma estimulante produção criativa.
Mariana Gomes (1983)reflete sobre a própria pintura, as suas camadas, cores e composição. Neste painel site-specific, que ocupa uma parede na última sala do piso superior, a composição feita pela artista comfragmentos coloridos e graficamente trabalhados desmonta o modo de pintar, como refere Mariana Gomes, num elogio à pintura. Nesta sala, encontramos trabalhos de uma série de artistas como Luísa Correia Pereira (1945-2009), Sara Bichão(1986) ou Ana Cardoso (1978).
O vídeo Nostalgia, de Maria Lusitano (1971), situa-se entre o documentário e a ficção, sendo o produto de uma longa investigação que usa imagens de arquivo representativas do colonialismo português em Moçambique, bem como entrevistas com portugueses nascidos nesse país, retornados depois da independência da antiga colónia. A obra recicla filmes amadores em super 8, aerogramas, fotografias, postais e telegramas, usando legendas como recurso narrativo, e reconta a história de uma mulher que casa e parte para África com o marido, soldado na guerra do Ultramar.
Este percurso termina com um trabalho de Ângela Ferreira (1958) que faz parte de uma série de desenhos, alguns deles produzidos no ano passado. A artista trata o tema dos diamantes na África do Sul, mais especificamente a mina do diamante de Cullinan, descoberto em 1905 nesse local, e considerado, até 1985, o maior diamante alguma vez registado.