Obras de Paula Rego
O Anjo é uma das obras mais icónicas de Paula Rego, revelando-se como uma síntese de toda a sua produção artística – a artista chegou a afirmar que esta seria a pintura que levaria quando partisse. Trata-se da figura de uma mulher poderosa, identificável como um «Anjo», vingador e piedoso, que segura nas mãos a espada e a esponja, símbolos da Paixão de Cristo ou da sua força castigadora. Não sendo explicitamente um autorretrato, é uma imagem forte que se identifica com o sentido interventivo do seu trabalho: entre a proteção e a vingança, o castigo e o perdão.
Esta obra integra uma série de trabalhos sobre o romance português O Crime do Padre Amaro, de Eça de Queirós, e é exemplo do modo como a artista intervém ficcionalmente sobre a história. Este romance, de leitura proibida no tempo da sua turbulenta publicação em Portugal (1875), e que causou protestos da Igreja católica por tratar da polémica questão do celibato clerical e da morte consentida dos recém-nascidos ilegítimos, ofereceu à artista matéria ficcional privilegiada.
Paula Rego desenvolve um diálogo não ilustrativo com o romance recorrendo a todos os recursos plásticos da tradição pictórica pré-moderna para caracterizar os personagens, expô-los na fragilidade da sua conduta ética e moral e desenvolver uma leitura subversiva. Não se trata tanto a condenação dos atos, mas da acutilante e dolorosa revelação dos rituais de poder, submissão e cumplicidade entre os sexos e as classes. Desde logo na figura de Amaro, o padre fraco e pecador, ambíguo e maligno, sobre quem recai um conjunto de deslocações temporais e subtis desvios.
A tela foi adquirida em fevereiro de 2022, juntamente com a pintura O Banho Turco (1960) – esta última foi realizada no verso do retrato da artista, pintado por Victor Willing, seu marido. A citação crítica da pintura neoclássica de Ingres, presente no próprio título, realizada em diálogo ou em resposta ao retrato de nu, poderá ser compreendida como primeira e subtil sinalização, de uma forte consciência feminista. A aquisição aconteceu numa altura importante da carreira internacional de Paula Rego, com a recente exposição na Tate Britain (2021), no Kunstmuseum Den Haag (2022) e no Museo Picasso Málaga (2022).
Obras da Coleção do CAM
A Coleção do CAM reúne quase 12 000 obras de arte moderna e contemporânea. Descubra as aquisições mais recentes da coleção, as histórias que estavam por desvendar, os bastidores e os restauros, ou as narrativas escondidas no reverso das obras.