• 2009
  • Instalação
  • Inv. 12E1645

André Guedes

AIROTIV

DEPOIMENTO DO ARTISTA

 

AIROTIV, de André Guedes, foi concebido para uma mostra no Centro Cultural Montehermoso em Vitoria, Espanha, e resultou duma residência de investigação em Christchurch (Nova Zelândia), com a colaboração de uma estrutura local de arte, The Physics Room, e da editora portuguesa Braço de Ferro que publicou os cadernos The Airotiv Papers, com imagens de arquivo da Nova Zelândia durante a crise de 1930 e uma reedição de quatro textos de autores deste país: Violet Targuse, Rabbits (1932); Tony Simpson, The Sugarbag Years (1974); John Thomson, The Heyday of the One-Act Play 1930-1945 (1984); Ian Steward, Port Supermarket Checks Out (2008). Este último, um artigo de jornal, noticia o evento que despoletou o trabalho: o encerramento por falência do único supermercado na vila portuária de Lyttelton, um ponto de entrada em Christchurch outrora fervilhante de barcos e pessoas, e hoje em rápido declínio.

 

Perante um cenário de crise económica global – o anagrama do título, AIROTIV, refere-se ao local da investigação nos exatos antípodas de Vitoria, onde foi exibida, – o projeto surge no ano em que se abre a possibilidade de uma “estética de recessão” e se indaga o seu efeito sobre as artes.* Ambas as inquietações percorrem este projeto, impondo uma variação nas estratégias artísticas de André Guedes, cujas recolhas de objetos e arquivos de escritórios ou outros espaços burocráticos, transformando os não-lugares em cenários performativos e teatrais, encontram maior tensão política. A instalação feita de objetos retirados do interior do edifício evacuado em Lyttelton, quais ruínas pós-industriais, junta estantes e prateleiras do supermercado, um tapete e um candeeiro adquiridos numa loja de antiguidades do século XIX, a mesas com jornais locais desse ano de 2009, relatando casos de perigo vividos pela vila em recessão. O aparato cénico, algo asséptico, destes objetos encontrados, não remete assim para a herança conceptual de luta contra a comodidade ou espetáculo na arte. Pelo contrário, guarda as estruturas dos corredores de supermercado – esses templos do consumo – e toma um ponto de partida posterior, procurando contrapor ao colapso de modelos comunitários decorrentes da crise socioeconómica de escala global, uma plataforma participativa, uma estética relacional que usa os fragmentos para envolver o visitante na performance, combinando precariedade e dramaturgia.

 

À deslocação física de objetos e histórias para os antípodas, acresce um salto temporal de narrativas para o momento histórico da crise económica dos anos 1930 (ver estudo citado de T. Simpson), através dum género literário propagado nesse contexto, as peças de um ato, quando o teatro, sem companhias profissionais, era mantido por grupos amadores de baixo orçamento (ver estudo citado de J. Thomson). Com a intervenção semanal de quatro atores amadores, os restos do supermercado defunto são então recontextualizados pela encenação da peça feminista de um ato de Violet Targuse, Rabbits, à volta da personagem Maggie Blake, cuja existência angustiada e solitária nas planícies da Nova Zelândia de 1930, revendo-se no coelho enjaulado do filho, é passada em vão, ansiando fugir à vida desolada da recessão.

 

Articulado na relação entre Vitoria e AIROTIV, o País Basco e a Nova Zelândia, reforçando assim a emergência global da crise e o eterno retorno assombrado de precedentes históricos, o projeto avança com situações e interações sociais e privilegia o papel do observador, através da incorporação de uma peça de teatro, uma ideia de comunidade para dias de depressão financeira, quando os horizontes de tempo e espaço contraem. “As coisas de AIROTIV, que podemos agora observar,” como escreveu André Guedes, “não exprimem necessariamente a diferença desse lugar; pelo contrário, representam uma série de coincidências, repetições, e eventos que reconhecemos. Estes elementos são documentos de coisas que aconteceram no inicio dos anos 1930, e que de novo acontecem, agora. De facto, AIROTIV é onde nos encontramos nós neste preciso momento.”**

 

 

Afonso Ramos

Novembro de 2012

 

* Ver o questionário lançado por Yve-Alain Bois, Hal Foster, David Joselit, "Recessional Aesthetics?" October, n. 128, Spring 2009, respondido por diversos intelectuais ao longo de edições posteriores.

** Brochura publicada na sua exposição individual no Centro Cultural Montehermoso, Vitoria-Gasteiz, Espanha, em 2009.

 

 

TipoValorUnidadesParte
   Dimensões variáveis
TipoDoação
Data24 de Setembro de 2012
Atualização em 23 janeiro 2015

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